Onde está o país do futuro

Uma certa superficialidade ronda os escassos debates acerca dos possíveis rumos do Brasil no médio e longo prazos, parecendo indicar que o futuro da nação estaria sendo cancelado. A outrora identidade de “país do futuro” ficaria para trás, quando elites dirigentes abandonam o sentido das disputas em torno das múltiplas oportunidades que emergem do curso das profundas transformações expostas ao mundo na atualidade.

Neste sentido, o Brasil estaria, em pleno início da terceira década do século 21, mais para a letra da música Deixa a vida me levar de Zeca Pagodinho que a estrofe Quem sabe faz a hora, não espera acontecer da canção de Geraldo Vandré Pra não dizer que não falei das flores. Sinal dos tempos, pois, após duzentos anos de Independência, o país viveria à espreita do neocolonialismo.

Exemplo disso está presente na trajetória de irrelevância industrial a que o Brasil se encontra submetido. Diante do constante predomínio das versões internas do neoliberalismo, seja a versão reacionária ou a progressista, conforme definição da filósofa Nancy Fraser (O velho está morrendo e o novo não pode nascer, 2020), a estrutura de produção manufatureira regrediu consideravelmente, tornando-se superdependente do exterior.

Após ter sido considerada a sexta maior do mundo, a indústria manufatureira decaiu para a atual décima sexta posição, respondendo por um pouco mais de 1% da produção global. A insignificância internacional do Brasil pode ser percebida, por exemplo, pelo fato de que no ano de 2021 o produto de toda a indústria de transformação do país (constituída por 12 milhões de ocupados) equivaleu a apenas 72,5% das receitas globais da montadora japonesa Toyota, que empregou, no mesmo ano, 366 mil pessoas. Há 42 anos, em 1980, o valor do produto de toda a indústria de transformação brasileira era quase quatro vezes superior ao total das receitas globais da mesma Toyota.

Não bastasse o apequenamento da produção interna da manufatura, nota-se a escandalosa e crescente dependência do exterior. Isso decorre do fato de o mercado interno ter se expandido, sobretudo por força espontânea da demografia, enquanto a produção industrial local declinou, tornando-se sujeita às importações manufaturadas.

No ano de 2021, por exemplo, o déficit externo (exportações menos importações) em manufatura chegou a US$ 111 bilhões, o mais grave desde 2000, segundo cálculos da Associação de Comércio Exterior do Brasil. A superação somente deste déficit externo em bens industriais corresponderia ao Produto Interno Bruto pelo menos 4% superior ao atual.

Se considerar o consumo aparente que resulta do total da oferta interna de produtos manufaturados acrescida das importações de produtos industriais, percebe-se o vergonhoso grau de dependência nacional dos estrangeiros. Mais especificamente, a crescente predominância chinesa tanto nos setores da indústria de base como nos segmentos industriais de tecnologia avançada.

Alguns exemplos disso podem expressar melhor o quanto o Brasil optou por tornar irrelevante a sua própria indústria, ao mesmo tempo em que a tornou dependente do exterior, mais recentemente centrada na China. Com base nas informações oficiais disponíveis do comércio externo brasileiro para 2022, a fabricação interna de eletroeletrônicos depende 95% das importações chinesas, assim como a produção de material elétrico (88%), máquinas de escritórios (84%), instrumentos musicais (83%), cabos de fibra ótica (79%), equipamentos de comunicação (77%), computadores e periféricos (76%), baterias e acumuladores (72%), instrumentos ópticos e fotográficos (65%), componentes eletrônicos (65%), entre outros.

Apesar disso, o Brasil obteve superávit comercial com a China de 40,3 bilhões de dólares à custa das exportações de soja e farelos (US$44,5 bi) e de minério de ferro (US$42,2 bi). Juntos, esses dois produtos primários responderam por 31% do total das exportações brasileiras referentes ao ano de 2021.

Historicamente, o modo de vida dos brasileiros tem se alterado em conformidade com a predominante dependência do parceiro no comércio externo. Com a abertura dos portos, em 1808, logo na chegada da Família Real, o exclusivismo do comércio externo com Portugal chegou ao fim, impondo a perda de cerca de cinco sextos do seu mercado externo com o Brasil colônia.

A consequente inundação de produtos manufaturados ingleses ao longo do século 19 terminou por impor transformações sociais, urbanas e até mesmo na vida cotidiana dos brasileiros, com a difusão de novos hábitos e costumes. Como pagamento das importações industriais, a Inglaterra absorvia grande parcela do algodão baiano e cearense, do açúcar pernambucano, bem como do cacau, borracha, madeira e salsaparrilha do Pará e do café do Rio e São Paulo.

As duas Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945) converteram as relações comerciais de dominância inglesa para a estadunidense no Brasil. No ano de 1941, por exemplo, 57% das exportações brasileiras foram para os Estados Unidos (16% em 1913), enquanto 52% das importações do Brasil provinham dos EUA (32% em 1913).

As repercussões internas não deixaram de se apresentar, com os brasileiros sendo cada vez mais influenciados pelo estilo de vida americano (American way of life), cujo eixo central da existência pessoal passava pelo consumismo e pelo individualismo assentado na mobilidade social. Nesse sentido, a massificação dos meios de comunicação (rádio e televisão) se mostrou fundamental para a difusão do padrão de vida, status, beleza e comportamentos assentados na concepção de felicidade pelo consumo.

Próximo de completar o primeiro quarto deste século, a penetração chinesa no Brasil é inédita e crescente. Na medida em que os meios tradicionais de comunicação ficam ultrapassados perante as tecnologias de informação e comunicação, as mudanças sociais se tornam substanciais, inclusive em termos de hábitos e costumes – como se fossem reminiscências do futuro.

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Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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