Resenha: O golpe de 2019 na Bolívia – Imperialismo contra Evo Morales

A editora gaúcha Coragem lançou o livro “O Golpe de 2019 na Bolívia – Imperialismo contra Evo Morales”. O ensaio é resultado de extenso processo de pesquisa sobre os pormenores que conduziram à deposição de Evo Morales, entre elas a trama imperialista que envolveu os EUA, Brasil, o apoio de meios de comunicação locais e os interesses políticos das elites econômicas bolivianas. O livro ainda apresenta entrevista realizada com Evo Morales na Bolívia em março de 2022, na localidade de Villa Tunari, no Trópico de Cochabamba, cuja distância para a cidade de Cochabamba é de cerca de cinco horas de automóvel.

Um dos aspectos marcantes da entrevista refere-se aos relatos biográficos de Evo Morales elaborados a partir de suas memórias, em que narra aspectos da sua infância, a identificação étnica indígena, a vida no campo, a juventude, lembranças de seus pais e de sua casa, a produção de folhas de coca, as tradições indígenas e como ingressou à vida política a partir de seu gosto pelo futebol e o sindicato regional camponês. Evo relata as conquistas de seu governo quando eleito e reeleito no período 2005-2019, até o golpe. Evo descreve o combate aos interesses imperialistas norte-americanos em função das reservas de lítio, fundamentais para a operacionalização da 4ª Revolução Industrial. Associa esse elemento como principal causa do golpe de Estado que sofreu em novembro de 2019.

Além da entrevista, o livro pesquisa o histórico de intensificação do imperialismo norte-americano entre a segunda metade e o final do século passado, e a busca por compreendê-lo nas primeiras décadas do atual século, sendo relacionado com as práticas neoliberais vigentes. Nesse contexto e em oposição ao cenário político na Bolívia dominado por interesses imperialistas e das elites locais, há análise da ascensão da figura de Evo Morales e do MAS (Movimento ao Socialismo) na década de 1990 e as políticas adotadas nos seus três mandados até o golpe em 2019, quando concorria ao quarto mandato. Evo foi um presidente decolonial, pois a partir e sua identidade e políticas étnicas, buscou promover nacionalizações e reduzir os elevados índices de desigualdade social que atingia sobretudo os povos originários bolivianos. Evo buscou de forma inédita consolidar um governo em atendimento das demandas populares com amplo apoio das tendências progressistas e de esquerda de seu país.

A eleição de 2019 envolveu polêmicas sobre a possibilidade de Evo concorrer. Tratava-se de sua quarta eleição consecutiva e o impedimento constitucional. Para tanto, convocou um plebiscito conhecido como 21F em 2018. Às vésperas do pleito, a sociedade boliviana foi contaminada por fake news operadas em redes sociais e pelos maiores meios de comunicação de propriedade das elites conservadoras. Entre as notícias falsas, criou-se a existência de um suposto filho jamais assumido que comoveu parte considerável dos eleitores. No entanto, foi descoberta a fraude em relação a esta história e a inexistência da criança apenas após a derrota no plebiscito (por uma margem inferior a 2%). Evo, depois disso, buscou recorrer a instâncias jurídicas eleitorais de seu país para que sua candidatura fosse permitida, alcançando logro com o argumento de que tratava-se de um Direito Humano concorrer ao cargo novamente.

A partir disso, a opinião pública Bolívia conviveu com visões políticas conflitantes sobre a legalidade ou não da elegibilidade de Morales até a realização das eleições em novembro de 2019. Movimentos de extrema direita sediados na cidade de Santa Cruz de la Sierra, principalmente, articularam o golpe de Estado não reconhecendo o resultado das eleições. O problema em torno dos resultados se deveu ao acompanhamento que a OEA (Organização dos Estado Americanos) fez do processo eleitoral. A partir de uma análise precoce e equivocada, antes mesmo da publicação dos resultados oficiais, os auditores da OEA construíram a hipótese de fraude a partir de votos vindos de regiões distantes e dominado por povos indígenas. Diversos estatísticos mundo a fora e associações de classe internacionais, no ano de 2020, demonstraram cientificamente o caráter tendencioso do relatório da OEA, que sequer levou em consideração resultados de eleições anteriores em que o próprio Evo havia alcançado esmagadora maioria e muito próximos ao que levou a sua vitória em 2019 para o quarto mandato. O relatório da OEA desconsiderou não só eleições pretéritas como também o fato de a Bolívia possuir uma das maiores, senão a maior, população selvática do mundo com regiões longíquoas em que os votos demoram muitos dias para serem apurados.

A partir desse relatório equivocado da OEA, os grupos de extrema direita, meios de comunicação, grupos evangélicos e Igreja Católica, com apoio dos EUA e do Brasil de Bolsonaro impulsionaram campanha para o golpe, deposição e captura (vivo ou morto) de Evo Morales. O presidente viu-se na necessidade de renunciar ao cargo para evitar o aumento da escalada da violência contra indígenas, apoiadores populares e políticos do MAS. Com risco de morto, resolveu fugir da Bolívia com o apoio do governo mexicano de Lopez Obrador, que forneceu um avião oficial para a fuga e exílio, e do presidente argentino, Alberto Fernández que, um mês após o golpe recebeu em seu país o presidente boliviano deposto.

Na entrevista, Evo Morales relata a tensão e o apoio popular para a manutenção de sua vida e como se deu a fuga, assim como o seu retorno à Bolívia um ano após o golpe e com a eleição à presidência de seu aliado Luis Arce. Entre os momentos tensos, o livro relata que por pouco não houve uma guerra campal entre forças armadas e movimentos indígenas (cerca de 10 mil apoiadores) no aeroporto localizado no Trópico de Cochabamba que exigiam que o avião decolasse em direção ao México. Dentro do avião mexicano, Evo chegou a se comunicar com representantes das Forças Armadas da Bolívia, comunicando que ou o avião partiria ou haveria um derramamento de sangue. Ao decolar, o avião ainda foi alvo de um foguete militar que, devido à perícia do comandante mexicano conseguiu desviar do ataque.

Evo Morales retornou à Bolívia no ano de 2020 após à vitória de Arce. Ainda na Argentina e distante, articulou apoiadores que conduziram o MAS ao retorno ao poder. O livro publicado pela Editora Coragem é um importante documento histórico que narra ao público de língua portuguesa os pormenores que envolveram a vida pessoal e política de Evo Morales na luta contra o imperialismo, além da defesa da aquisição de direitos sociais aos povos originários bolivianos.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
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