“A indignação calada serve apenas à blindagem da arrogância e do descaramento. As ruas ainda serão também nossas? Será que os atos de domingo serão um novo ponto de partida para barrar a impunidade e defender a democracia? Ou alguém acredita que apenas uma ou outra instituição do Estado Democrático de Direito serão suficientes para defender a Democracia?”
(sábado, 20 de setembro)

I

(segunda-feira, 22 de setembro)
Foi preciso uma burrada mastodôntica, adubada com muita desfaçatez, para que o descompasso entre a revolta manifesta pela mídia em geral e a passividade da parte indignada da população finalmente se desfizesse no domingo, 21 de setembro. A aprovação pela Câmara da PEC da Blindagem provocou uma espécie de reação anafilática ao expansivo descalabro da maioria dos deputados e a indignação finalmente saiu às ruas.

Os números surpreenderam muitos de nós, se não à grandíssima maioria.

No domingo, como se não estivéssemos bem no meio de um pesadelo que ameaça as mais básicas conquistas – que prevaleçam as normas do Estado Democrático de Direito e que os que atentaram contra a democracia cumpram as sentenças dos tribunais –, fomos às ruas. Em São Paulo e no Rio, mas também em capitais consideradas leito da direita e da ultradireita. Em Brasília, tanto quanto no Sul do país, no Norte e no Nordeste. Inegavelmente, foi um grito de dimensões nacionais.

Havia alívio e gozo com as dimensões do próprio feito – quem esteve lá pôde sentir na pele a quase que sublime alegria de um corpo desfalecido que volta a respirar.

Mas se há motivos agora para celebrar, deveria existir também para tentar entender as razões da duradoura passividade que antecedeu o domingo, 21/09.

Por que se permitiu chegarem tão longe?

É que pareceu ser suficiente eleger o presidente e depois correr para desfrutar o conforto de tão precária conquista?

Convenhamos, ainda que imensamente significativa para pelo menos interromper a farra do golpismo – já condenado pelo Supremo – é muito pouco para todos aqueles que deveriam estar se sentindo imediatamente ameaçados pelo tsunami ultradireitista que varre o planeta e que, agora mesmo, rapidamente delineia sua versão mais ameaçadora justo na sede do Império e sob o mando da figura dantesca de Donald Trump.

II

A aprovação da PEC da Blindagem revelou um curioso deslocamento entre os dois pedaços que atualmente dividem o universo político nacional.

Enquanto o chamado centrão (o agrupamento que oscila entre a direita e a ultradireita) avassalava a Câmara, a maioria da sociedade, aquela que elegeu Lula presidente e segue disposta a reelegê-lo mais uma vez, estava calada, acomodada e desinteressada dos rumos que o país pode tomar – como se depositasse nas mãos de Lula e dos atuais membros dos órgãos máximos do Judiciário a confiança de que o lado derrotado não vai se impor sobre o lado vitorioso.

III

Menos de uma semana antes do domingo, 21, vimos emergir da cova três tristes inomináveis fantasmas, recuperados do além-túmulo pelas mãos do presidente da Câmara Hugo Motta. Convocados à salvação da pátria, imediatamente se postaram exultantes, triúnviros e de peito aberto para a posteridade como magníficos heróis redivivos – algo como um terceto fantástico de decrépitos desamparados.

Felizmente, bastaram as ruas para que retornassem à palidez cadavérica de suas nefastas personalidades públicas (só mesmo um altivo líder do centrão para reconduzi-las ao púlpito).

A simples mudança de ventos provocada pelo domingo foi o bastante para recalibrar a típica dureza daquele aglomerado político que diz rechaçar os extremos – apenas para fazer todas as concessões possíveis ao único verdadeiro extremo, aquele que tentou dar um golpe de Estado, rechaçando as normas democráticas para manter no poder o projeto entreguista (que também tiveram o brilhantismo de reviver), conduzido por parte do capital financeiro e pelos derrotados nas urnas.

Sem limites para errar

Sem Limites Para Matar (Sudden Impact, 1983) era o quarto e último título da série de filmes dirigidos por Clint Eastwood, cujo personagem principal era conhecido pela alcunha de Dirty Harry (Harry, o sujo) – encarnado pelo próprio Clint.

O título serve como uma luva para a sequência de ações publicitárias promovidas de Washington pelo agora rejeitado Eduardo Bolsonaro (ver artigo do dia 27/07, As Ameaças de Eduardo Bolsonaro em Defesa do Clã).

Parece unanimidade entre os comentaristas a avaliação de que o (ainda) deputado não consegue interromper sua sequência de tontices.

Por incrível que pareça, essas lambanças (considerado o seu próprio objetivo, i.e., livrar o pai e os achegados dos longos períodos de prisão a que estão destinados) parecem até ser propositais, tamanha a insistência com que vêm sendo cometidas. E até que tenham sido diligentemente planejadas pelo laboratório de políticas ultradireitistas de Steve Bannon & Cia – a ala mais rude do trumpismo. Podiam até aqui servir, quem sabe, como aglomerante para o núcleo mais fanatizado do bolsonarismo e, sobretudo, aos autoexilados sob as asas desse trumpismo avant la lettre.

Mas com os 27 anos (pouco mais ou menos, a depender da dosimetria alcançada pelos bravos cavaleiros convocados pelo presidente da Câmara) e, agora, com a declaração de amor do seu patrocinador-mor ao presidente brasileiro em plena tribuna da ONU, o barco definitivamente parece vazar água.

Aliás, já está mais do que em tempo de que o famigerado Eduardo caia no olvido.

Uma pergunta na NY de Trump

(quarta-feira, 25 de setembro)

“Por que permitimos que a extrema direita crescesse com a força que está crescendo?” – Lula, discursando na reunião Democracia Sempre realizada paralelamente à reunião da Assembleia-Geral da ONU.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e Revisão: Celia Bartone
Leia também “O Centrão resolveu entregar a rapadura?”, de Adhemar Mineiro.