O futuro da geopolítica após a visita de Lula à China

Na segunda semana de abril, o presidente Lula, junto com expressiva comitiva, esteve em viagem oficial à China. A viagem teve que ser adiada por 15 dias não só em função de uma doença do presidente Lula, como também por discussões em torno do chamado “novo arcabouço fiscal” no Brasil. Mas a reprogramação da viagem em um prazo tão curto, tomando em consideração as autoridades envolvidas dos dois lados, evidencia a alta ênfase dada às relações bilaterais entre os dois países por ambos os governos.

A viagem envolveu também o comparecimento à posse da ex-presidente Dilma Rousseff na presidência do Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado “Banco dos BRICS”, em Xangai. Essas coisas não estão desconectadas, e a presença não é apenas uma reverência à ex-presidente. Os BRICS são um tema relevante da relação bilateral e também um instrumento financeiro importante para viabilizar alguns dos projetos pensados entre os dois países.

A ida à China, pensada inicialmente para figurar nos cem primeiros dias de governo, talvez tentando equilibrar geopoliticamente a viagem feita aos EUA, resultou na assinatura de diversos acordos em várias áreas, mas existem dois pontos que devem ser destacados: o movimento geopolítico, e a questão econômica.

Do ponto de vista da geopolítica, a reação dos grandes formadores de opinião pró-EUA no Brasil mostrou tudo.

No que se refere à movimentação diplomática, a viagem foi uma expressão de tentativa de equilíbrio dos interesses estratégicos brasileiros entre seus parceiros ocidentais de um lado (EUA à frente) e a China e os países em desenvolvimento, de outro. Os formadores de opinião no Brasil mais alinhados com os interesses dos EUA tentaram imediatamente caracterizar uma espécie de “guinada” das preocupações iniciais do Brasil, evidenciadas na viagem aos EUA (defesa da democracia no hemisfério e no mundo, por exemplo) em direção a um maior pragmatismo comercial (a China é, de longe, o principal parceiro comercial do Brasil), em que algumas questões de princípio relativas à defesa da democracia e dos direitos humanos seriam colocadas para debaixo do tapete.

De outro lado, vale observar que importantes parcerias financeiras foram firmadas, e com muitos zeros a mais do que as acenadas pelos EUA, que passou longe do bilhão de dólares quando se referiu a eventual aporte no Fundo Amazônia e outros recursos para a preservação ambiental. A China acenava com dezenas de bilhões em possíveis investimentos em infraestrutura, apoiados em grandes projetos como a Iniciativa Cinturão e Rota (mais conhecida pelo “nome fantasia” de “Nova Rota da Seda”), iniciativas de integração de transportes entre o Atlântico e o Pacífico (que soavam como música nos ouvidos do agronegócio e da mineração brasileiros), e acesso a fundos de instituições financeiras como os megabancos de investimento chineses ou o próprio Novo Banco de Desenvolvimento. Os recursos financeiros tilintavam nos discursos em Beijing, e agora resta ver sua concretização.

Mas, mais do que qualquer coisa, desagradou à diplomacia dos EUA e seu Departamento de Estado duas movimentações importantes. Lula, que chegou à China pouco depois de uma não menos performática passagem do presidente francês Macron pela mesma rota, mostrou em seus discursos (como fizera Macron) o desconforto com o tema da Guerra na Ucrânia, assim como com as posições estadunidenses de buscar garantir a continuidade da guerra. Fica cada vez mais claro que a guerra não se resume aos dois países diretamente envolvidos, e a saída para a guerra também não será possível apenas com a movimentação de ambos. E essa guerra hoje é uma camisa de força que impede que vários países avancem outras iniciativas importantes no cenário internacional, tendo sua agenda bloqueada pelo discurso da guerra e de uma nova polarização mundial. Macron, do seu jeito, uma semana antes de Lula, havia deixado clara a percepção francesa do problema. Lula avançou no mesmo sentido, em uma perspectiva brasileira e latino-americana.

Outro ponto que deve ter desagradado aos interesses geopolíticos do EUA e suas instituições financeiras, foram os acordos anunciados para a utilização de moedas nacionais e mecanismos compensatórios para as transações financeiras entre Brasil e China. Essa proposta reforça a reação chinesa que vem crescendo, em especial a partir do momento em que os EUA utilizaram sua hegemonia financeira como arma de guerra contra os russos a partir da Guerra na Ucrânia. A utilização dessa arma pelos EUA explicita a não neutralidade do controle dos fluxos financeiros internacionais, e faz com que os vários países busquem opções. O Brasil sinalizou positivamente às propostas chinesas, e isso desagradou – e muito – às autoridades políticas e financeiras dos EUA.

Existem vários outros aspectos que poderiam ter sido citados nesta discussão, mas apenas esses dois dão uma amostra da importância da passagem de Lula pela China, e do que isso pode representar não apenas para o futuro das relações Brasil-China, mas para o conjunto de mudanças geopolíticas em andamento no cenário internacional.

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Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone 

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