A pesquisa de indicadores sociais do IBGE encontrou, em 2018, 13,5 milhões de brasileiros com renda mensal per capita inferior a R$ 145,00 por mês (dois dólares/dia/ppc), valor de corte adotado pelo Banco Mundial para identificar a condição de extrema pobreza. Equivale à população de Cuba. Até 2014/2015, havia uma tendência de queda nestes números. Porém, a partir daí cerca de 4,5 milhões de brasileiros voltaram à condição de extrema-pobreza.
Estes dados são mais um elemento para explicar porque a década de 2010 é chamada de perdida, com consequências terríveis para os brasileiros. A estagnação econômica fez com que a renda per capita, que era de R$ 35 mil em 2010, caísse para R$ 34,5 mil, em 2019, uma queda de 1,4%.
O Brasil perdeu posição relativa em relação ao ranking mundial das principais economias do mundo. Era o 7º PIB em 2010 e passou a ser o 9º, em 2019.
Em grande medida, a desindustrialização contribuiu para o aprofundamento da decadência nacional. Assim, a participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) registrou uma queda de 26%. Passou de 12,7% para 9,4% entre os anos de 2010 e 2019.
Por outro lado, o Brasil assistiu ao ineditismo da expansão do setor agropecuário, que era 4,1% do PIB em 2010 e passou para 4,4% em 2019, um aumento de 7,3% na participação econômica. Mais significativo, no entanto, foi o aumento no ritmo da transição da economia brasileira em direção à sociedade de serviços. O setor terciário teve um crescimento de 9,9% na sua participação no PIB brasileiro. Passou de 57,6% do PIB nacional em 2010 para 63,3% em 2019.
Esse comportamento assimétrico entre os principais setores econômicos demarcou mais uma importante recomposição da estrutura produtiva do país durante a primeira década do século 21. Tendo em vista o retrocesso no desempenho do PIB por habitante, o desempenho desigual dos setores revelou que o Brasil, cada vez mais reprimarizado, mais dependente da exportação intensiva em trabalho barato e recursos naturais, piora sua participação qualitativa na divisão internacional do trabalho.
Também a especialização em serviços pessoais, vinculados à concentração da renda nas famílias ricas, revelou o fortalecimento da tendência na década do perfil das ocupações precárias e muito instáveis. O esvaziamento do assalariamento e a ampliação das ocupações informais apontaram as dificuldades crescentes para a classe trabalhadora manter-se protegida social e economicamente ao longo da década perdida.
Uma das principais razões disso refere-se à queda drástica na Formação Bruta do Capital Fixo em relação ao PIB. Entre os anos de 2010 e 2019, por exemplo, a taxa de investimento caiu 25% quando comparada ao desempenho do PIB nacional. Considerando somente o investimento do Estado, a queda foi ainda maior. Entre 2010 e 2019, a presença do investimento público no PIB reduziu-se 52%.
O conjunto da obra, a década perdida, é o enredo perfeito para uma tragédia, especialmente para as camadas mais pobres. A taxa nacional do desemprego aberto foi multiplicada por dois, ou seja, cresceu 107,5%, sobretudo a partir de 2015. A participação da renda do trabalho no PIB, por sua vez, caiu 4%. Já era pequena para os padrões internacionais, 33,7%, em 2010, em 2019 era menor, 32,4%.
Em 2020, o Brasil registrará a maior redução do produto e da renda de todos os tempos. E o desastre econômico e social vem acompanhado politicamente pelo que parece ser um projeto para que a crise se aprofunde. Quer, dizer, não é casual que as pessoas que trabalham com a racionalidade estejam desanimadas e vejam o risco de viver mais uma década perdida.