julio pompeu

Marina perdeu sua paz interior. Culpa do caos exterior que a arrebata em sustos, palpitações e taquicardias. Não lê mais notícias, para poupar-se. Sequer abre as páginas dos sites de notícias para evitar topar com manchetes que anunciam tristezas com sensacionalismo. Mas só isso não basta. As afetações tristes lhe chegam por todos os lados.

Sente-se uma ilha de afetos perdida num oceano de desafetos, desamores e desrespeitos. Esforça-se por não desesperançar nem a si nem a outros. Há sempre o risco de, contaminados de tristezas, entristecermos outros. Risco de nos tornarmos mais parte do problema que da solução.

Marina quer soluções. Para seus afetos, sua vida e seu país. Quer solução para sua família, cujo amor mútuo que havia sucumbiu fácil ao ódio social e político. Quer que a ceia de natal volte a ser só aquele momento em que se cozinha farturas entre abraços e uma estranha afetação de alegria.

Quer poder voltar à igreja sem ser olhada de revés por se dizer indignada por haver quem precise buscar alimento nas carnes apodrecidas dos lixões. Quer não se ressabiar quando um irmão se diz cristão, sem saber se a moral que se quer anunciar com isso é “amai-vos uns aos outros” ou “armai-vos pela pátria, família e propriedade”. Sem saber se é apresentação de quem serve a Deus ou a Mamon.

Ela não entende patavinas de economia. Não faz ideia do que seja taxa Selic, COPOM, déficit primário e nem nada do que gente que parece sabida diz ser tão importante para a vida de todo mundo. Mas sabe que pobreza é ter pouco o que comer e miséria é nem saber quando ou se vai comer.

Não entende as caraminholas que tecnocratas usam quando falam de pobres e miseráveis, mas sabe muito bem se na fala enrolada há nojo, indiferença, desprezo ou empatia, compaixão, preocupação e respeito com o sofrimento alheio. Empática, sente-se miserável por viver num mundo em que há gente miserável e envergonhada por conviver com gente bem nutrida que não se envergonha de haver miséria à sua volta.

De política, entende menos ainda. Cresceu achando coisa chata. Adolescente, encantou-se por um garoto que era do DCE da Universidade. Foi a uma reunião. Tentou chamar a atenção, mas percebeu que lá, falar de política era discutir se os Curdos do Cazaquistão deveriam ser apoiados ou não. Desistiu da política e do garoto.

Hoje, a discussão política à sua volta não passa de duas ou três palavras de efeito, memes, notícias falsas e teorias conspiratórias que, sem ter nem ao menos sombra de razão, se sustentam sobre a ignorância, o medo e preconceitos ancestrais. “Aquele pessoal do DCE, pelo menos, tinha vocabulário” pensou em voz alta.

Pois agora, ela quer política. Daquelas de verdade. Com estadistas e não com oportunistas. Daqueles que conseguem unir gente que os oportunistas desuniram para tirar proveito do ódio.

Precisa da política porque não quer se sentir mais sozinha na sua fé e na sua compaixão e sabe que para isso depende dos outros. Não quer ter à sua volta gente preconceituosa, ignorante e ressentida que sucumbe fácil à sedução dos discursos de ódio. Quer transformá-los para viver entre gente educada para pensar o mundo e o que sente diante do mundo. Gente de afeto e razão e não de paixões e ilusões. Para isto, depende da escolha dos outros.

Vai votar não como quem cumpre uma obrigação civil, mas por compaixão. Esperançosa de que somos dignos de esperar algo melhor de nós mesmos.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli

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