O exercício do jornalismo – informar e analisar de forma objetiva e crítica os fatos – tem importância fundamental em qualquer sociedade. Um bom jornalista não precisa, necessariamente, ser neutro. Pode sim, ter lado, desde que diga qual é e seja honesto ao explicar o porquê.
Uma comunicação escrita precária existiu em todas sociedades, surgiu com a História. Os senhores do poder ao longo de séculos e séculos se comunicaram com os súditos através de editais: fixavam as cotas de impostos, convocavam à formação dos exércitos, estabeleciam regras a serem cumpridas, explicitavam as sanções. Por milênios, os editais foram o único instrumento da relação soberano-súdito. Na idade média os livros tinham caráter religioso e eram um monopólio da igreja.
Somente no século XV, com a invenção da prensa móvel de Gutenberg (1447), se tornou viável a impressão de livros em escala industrial. As prensas e os tipos começaram a funcionar furiosamente, representando um enorme salto, uma verdadeira revolução na educação, na comunicação e na difusão do conhecimento. O surgimento da imprensa escrita abriu caminho para o Renascimento e suas extraordinárias transformações, que iriam marcar o fim da idade média e o começo da era moderna. A literatura ganhou extraordinário impulso, nasceu o romance moderno.
A revolução industrial, que deu um salto no século XVIII, se acelera nos dois séculos seguintes e tem como consequência um excepcional processo de urbanização. O novo fato do rápido crescimento das aglomerações urbanas viabiliza os jornais regionais e nacionais. No início do século XX surge o rádio, nos anos 50 a televisão. Mais além, nas últimas décadas do século passado, a comunicação se globaliza com a rápida evolução tecnológica: nascem a tecnologia digital, os satélites de telecomunicação e a internet. Consolida-se uma comunicação de massa, global.
Os grandes conglomerados privados e as grandes potências mundiais – Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Alemanha e mais recentemente a China, dentre outras – investiram pesadamente nas mais diversificadas formas de comunicação, que incluem até o cinema. Esta avalanche de informações que chegam aos usuários não tem o objetivo de informar com imparcialidade e espírito crítico; tem o explícito objetivo de moldar a opinião pública. Os grandes Estados nacionais e os conglomerados globais “vendem” ao seu público – centenas de milhões de pessoas – o modelo ideológico que convém aos seus interesses.
É claro que as populações dos países subdesenvolvidos – dentre eles o Brasil – são diuturnamente bombardeadas por um massivo volume de informações e de versões que interessam aos grandes conglomerados da mídia internacional. São colonizados para aderirem às ideologias dominantes.
No Brasil, porém, o furo é mais embaixo. Além dos interesses globais trabalharem para hegemonizar sua dominação, temos uma mídia nacional oligopolizada a serviço da oligarquia. Poucas famílias são proprietárias das grandes redes nacionais de televisão e rádio e dos grandes jornais. Estas gangues familiares não têm nenhum compromisso com os princípios do bom jornalismo. Defendem com unhas e dentes os absurdos ganhos da banca financeira, naturalizam a barbárie, defendem a entrega do patrimônio nacional, dentre outros absurdos. Em nome da segurança defendem a violência, a impunidade, ocultam a sonegação, a maior forma de corrupção. Para isso, contratam milhares de lambe sacos, penas de aluguel que falseiam os dados, divulgam mentiras. Profissionais do engodo, da fraude e da manipulação. Um horror!
É muito triste ver que uma profissão tão importante seja desvirtuada, exercida sem dignidade pela imensa maioria de profissionais. Há, porém, exceções. Poucas, é verdade. Nos resta, ainda, o humor precioso de Luís Fernando Veríssimo, a lucidez e combatividade de Luís Nassif, de Fernando Morais, sem falar da saudade e da falta que nos faz o Paulo Henrique Amorim. Na grande imprensa, Jânio de Freitas é o principal nome, espécie de “o último dos moicanos”.
Mas, sem dúvida nenhuma, pelo menos para mim, Mino Carta é a figura que melhor representa a luta – totalmente desigual e, por isso, heroica – dos que combatem este jornalismo vil da grande mídia e se contrapõem à demência que a partir de 2016 passou a governar o país.
Italiano de nascimento, Mino chegou ao Brasil de calças curtas em 1946, com apenas 13 anos. Criou profundas raízes aqui e durante mais de seis décadas trabalhou na construção de um jornalismo honesto, crítico. Acreditou sempre que poderíamos construir uma nação soberana, mais justa, com menos desigualdades e, assim, mais democrática e livre. Escreveu incessantemente, fundou e dirigiu jornais, criou revistas e apostou num futuro melhor para o Brasil. Cultura sólida, enfrenta com brilho qualquer tema: literatura, pintura, teatro, música, história, sociologia, política, economia, e por isso se tornou, também, um bom romancista.
A Carta Capital é sua última trincheira, uma das raras fontes de informação com credibilidade no país. Religiosamente leio seus artigos semanais e suas falas em vídeos do site da revista. Tomando um bom vinho, ele responde perguntas dos ouvintes e leitores sobre os mais diversos temas. Nos últimos meses suas aparições rarearam. Mais magro, ar cansado, desesperançado, amargurado. Cada vez mais indignado – como eu –, ele manifesta sua inconformidade com a falta de reação de um povo passivo, que está sendo pisoteado e não reage, que a tudo assiste indiferente.
Terá o Mino perdido a esperança?
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