Era uma casa muito engraçada
Não tinha teto, não tinha nada

Peço licença a um dos nossos grandes poetas, Vinicius de Moraes, para escrever esse pequeno artigo inspirado em um de seus poemas.

Esse poema foi musicado e é uma das músicas infantis mais famosas do Brasil. Gerações de crianças a conhecem.

Meu pedido de licença é por tomar emprestado um poema tão singelo e bonito e relacioná-lo com algo tão árido, chato, porém necessário, que é o debate econômico atual.

Em 2016, no governo Temer, foi aprovada a emenda constitucional 95, a emenda do Teto de Gastos.

Por 20 anos (com previsão até 2036!) a despesa primária da União de um determinado ano será corrigida pela inflação acumulada de 12 meses e será fixado um Teto de Gastos para o ano seguinte.

Regra fiscal com jeito de jabuticaba. Só existe aqui na casa chamada Brasil.

Não é que não existam países que controlem seus gastos. Eles existem. Mas com uma regra tão rígida como essa, só aqui!

E qual o principal problema dessa regra fiscal? Ao longo de sua vigência cairá a despesa por habitante das mais importantes políticas sociais que afetam a população.

Simples. A população cresce, mas o gasto permanece congelado em termos reais por longos 20 anos.

Menos recursos para melhorar a vida de cada brasileiro que aqui vive.

A cada ano que passa o país terá menos recursos para Saúde, Educação, Segurança, Assistência Social, Investimento Público e por aí vai.

Uma regra para desmontar, lentamente, o Estado de Bem Estar Social que começou a ser construído na Constituição de 1988.

E também para enfraquecer o poder de intervenção econômica do Estado Brasileiro.

Para piorar, no meio do caminho elegemos um péssimo governo e tivemos que enfrentar a maior crise sanitária dos últimos 100 anos!

  • “Ninguém podia entrar nela não
    Porque na casa não tinha chão
    Ninguém podia dormir na rede
    Porque na casa não tinha parede
    Ninguém podia fazer pipi
    Porque penico não tinha ali”

Assim é. A cada ano que passa na vigência da insustentável regra fiscal do Teto de Gastos, o chão da casa Brasil afunda, as paredes desmoronam, a infraestrutura da casa cede.

A cada ano que passa o país dispõe de menos recursos para o investimento público, para o gasto social, para enfrentar a fome, a pobreza, o desemprego.

  • “Mas era feita com muito esmero
    Na Rua dos Bobos, número zero
    Mas era feita com muito esmero
    Na Rua dos Bobos, número zero”

Se a regra fiscal do teto de gasto é tão ruim, como ela foi aprovada?

Moramos todos na casa Brasil que fica na rua dos Bobos? Não vimos a banda passar?

Resgatemos essa recente história: a emenda do Teto de gasto foi aprovada logo após a derrubada do governo Dilma por um golpe parlamentar.

As mesmas forças políticas e o poder econômico que lhes deram sustentação conspiraram para derrubar aquele governo e aprovar rapidamente um dispositivo constitucional que deu início ao desmonte do inacabado Estado de Bem Estar Social brasileiro.

Que fique bem claro. O Teto de Gastos foi implantado para controlar apenas as despesas primárias da União. E, como não poderia deixar de ser, não estabeleceu “Teto” para as despesas que alimentam a ciranda financeira e o ganho dos rentistas, bancos, fundos e especuladores.

Porém, muitos críticos previram, na época da aprovação da EC 95, em 2016, que essa regra seria desrespeitada muito antes dos 20 anos previstos para sua duração.

E foi. Em 2019 o teto de gastos já foi desrespeitado com gambiarras, puxadinhos e imprevisibilidades. Bem antes da pandemia.

Na pandemia foi decretado estado de calamidade pública e as regras fiscais foram relaxadas.

Com a atual crise econômica e social que estamos enfrentando, podemos encomendar a missa de sétimo dia para o funeral do Teto de Gastos.

O que estamos assistindo nesses dias, com o caos econômico instalado pelo debate do Auxílio Brasil, programa social que pretende substituir o Bolsa Família, é a morte agonizante do Teto de Gastos!

Ainda bem! Vai tarde!

NR: Artigo publicado originalmente no Reconta Aí , um site parceiro do Terapia Política, que surgiu como uma iniciativa de pessoas do campo político progressista e bancários, especialmente da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. A ideia foi abraçada pela Fenae e pela Contraf/CUT, com a missão de usar uma linguagem simples e didática para explicar à população e aos bancários as grandes questões nacionais.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

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