Na reunião de junho de seu Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central elevou novamente a taxa básica de juros (Selic), fixando-a em 15% ao ano. A justificativa da instituição foi no sentido de forçar a convergência da inflação para o centro da meta, definida pelo Conselho Monetário Nacional em 3,0%, no acumulado de 12 meses, tendo como referência a evolução do IPCA-IBGE.
Diante de uma inflação prevista de aproximadamente 5,0% para os próximos 12 meses, esse patamar de 15% significa uma taxa real de juros (acima da inflação) de escandalosos 9,5% ao ano, a segunda maior taxa de juros dentre todos os países!
A atitude do Banco Central, de foco exclusivo na política de juros altos para forçar a convergência da taxa de inflação para o centro da meta, tem sido a tônica de sua atuação, negligenciando o duplo mandato que a legislação atribui à autoridade monetária: garantir a estabilidade da moeda, mas também assegurar sustentabilidade para a atividade econômica e o emprego.
Além de desacelerarem o potencial de crescimento econômico, os juros nas alturas tornam as aplicações financeiras em renda fixa (títulos públicos e privados) extremamente atraentes, proporcionando retornos elevados aos rentistas, com baixíssimo risco, desestimulando o investimento produtivo. Aumento de juros, ademais, significa pressão sobre as contas públicas, pois, para cada 1 ponto percentual a mais na taxa Selic, o Tesouro gasta, em 12 meses, no mínimo R$ 50 bilhões a mais com o pagamento de juros. Além desse efeito imediato e direto nas contas públicas, o aumento dos juros eleva o valor do montante principal da dívida pública, na medida em que o governo tem que “rolar” (reemitir) uma parte dos títulos vencidos, piorando a relação dívida/PIB, um dos principais indicadores macroeconômicos.
O objetivo da política de metas de inflação, em vigor no Brasil desde 1999, é induzir governo e agentes econômicos a “ancorarem” as expectativas de inflação, isto é, as pessoas terem a meta como referência da inflação futura. Isso, por hipótese, dá maior previsibilidade para a economia e melhora o planejamento das famílias, empresas e governo. Nesse longo período, de 1999 até o final de 2024, a inflação média anual foi de 6,28%.
A tabela a seguir registra, para cada ano de vigência da política de metas de inflação, qual foi o centro da meta, suas margens de tolerância e a inflação de fato ocorrida. Observa-se que a meta de inflação foi cumprida, dentro dos limites de tolerância, em 19 dos 26 anos de vigência da política (até 2024), o que lhe confere, sem dúvida, elevado grau de sucesso.
Os dados em negrito identificam os sete anos em que a meta não foi cumprida. A meta segue definida, para 2025 e 2026, em 3% (tal como em 2024), o que sugere novo descumprimento para este ano e, provavelmente, para grande parte de 2026, dadas as estimativas para o IPCA-IBGE (linhas sombreadas).
Observe-se que, diante da herança de uma inflação elevada em 2002 (12,53%), o Banco Central foi autorizado a rever duas vezes as metas para 2003 e a meta para 2004, conduzindo o IPCA-IBGE novamente para os limites definidos, por 11 anos seguidos, de 2004 a 2014. Entre 2005 e 2014, diante de uma meta de 4,5%, a inflação média foi de 5,41%, tendo oscilado entre um mínimo de 3,14%, em 2006, e um máximo de 6,50%, em 2011.
A inflação não se reduz por Decreto (mas o crescimento, sim).
Uma leitura atenta dos dados da tabela mostra que, nesses 26 anos de vigência, a meta de inflação foi cumprida, nos limites de tolerância, em 13 dos 14 anos em que ela foi fixada em 4,5%, só tendo sido superada no atípico ano de 2015, quando a política econômica ortodoxa implantada pelo então ministro Joaquim Levy promoveu um forte aumento dos preços administrados (“tarifaço”). Por outro lado, a meta foi descumprida em sete dos dez anos em que foi fixada, a princípio, abaixo de 4,5%. O histórico sugere, portanto, que, no caso da economia brasileira, tem sido excessivamente ambiciosa e irrealista a fixação de metas de inflação abaixo desse patamar.
Embora o crescimento do PIB nos últimos três anos (3,2%, em média) tenha sido significativo, na comparação com os anos de 2015 a 2020, anteriores à pandemia de Covid-19, as metas de inflação iguais ou abaixo de 3,5%, desde 2022, têm funcionado como um evidente “freio de mão puxado”, limitando as perspectivas da economia a um crescimento modesto e provavelmente ainda menor em 2025 e 2026, num contexto marcado por profundas carências sociais e de investimentos em infraestrutura no país. E com uma elevada taxa de 15,9% de subutilização da força de trabalho, segundo o IBGE.
A solução, já testada com sucesso em 2003 e 2004, passa pela fixação imediata, pelo Banco Central, de uma nova “meta ajustada”, realista, que sustente uma redução rápida e acentuada da taxa básica de juros e possibilite um crescimento mais robusto da economia brasileira neste e nos próximos anos.
Detalhe: a fixação da meta (e sua eventual revisão) não precisa passar pelo Congresso Nacional. É atribuição do Conselho Monetário Nacional, composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do Banco Central.
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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