O Conselho Monetário Nacional deve rever já a dogmática meta de inflação de 3% a.a.

A política de metas de inflação teve origem no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 como resposta a décadas anteriores marcadas por alta inflação (especialmente nos anos 1970). O primeiro país a adotá-la formalmente foi a Nova Zelândia, em 1990. Depois disso, o modelo se espalhou por diversos países, incluindo o Brasil, Reino Unido, Canadá e outros. Essa política tem por objetivo manter a inflação dentro de uma faixa considerada ideal para a estabilidade econômica, tendo como objetivos a ancoragem das expectativas de inflação, a transparência e credibilidade do Banco Central e regras claras para a política monetária.

O Brasil adotou o regime de metas de inflação em 1999, após uma crise cambial no início daquele ano, que derrubou o regime de câmbio fixo (Plano Real). Para garantir a estabilidade da moeda após essa mudança, o país passou a adotar um regime tripé macroeconômico, composto por:

  • Meta de inflação: para orientar a política monetária.
  • Câmbio flutuante: com intervenção pontual do Banco Central.
  • Meta de superávit primário: para responsabilidade fiscal.

No Brasil, quem define a meta de inflação é o Conselho Monetário Nacional – formado pelo ministro da Fazenda, ministro do Planejamento e presidente do Banco Central – que usa o IPCA como referência para medir a inflação. O Banco Central do Brasil é o responsável pela fixação da taxa de juros (Selic) mais adequada para o cumprimento da meta.

Na definição da meta de inflação, o CMN deve levar em conta o histórico de inflação (evitando rupturas bruscas que prejudiquem a economia), o nível de desenvolvimento do país (metas mais elevadas nos países emergentes e mais baixas em países desenvolvidos), credibilidade da política monetária (meta realista é essencial para a manutenção da confiança do mercado) e objetivos de crescimento e emprego (visando o equilíbrio entre estabilidade de preços e a atividade econômica).

Buscando uma redução gradual, em junho de 2023, o CMN definiu a meta de inflação de 3% com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos e a manteve nesse patamar em 2024. A partir de 2025, o Brasil passou a adotar uma meta de inflação contínua, medida em um horizonte de 24 meses, alinhando-se à práticas de outros países. A meta contínua de 3% visou garantir uma maior estabilidade e previsibilidade nas políticas monetárias de longo prazo.

Metas de inflação — comparação entre economias avançadas e emergentes

Nos EUA, o FED tem um mandato duplo: estabilidade de preços e pleno emprego. A política monetária é definida pelo FOMC (Federal Open Market Committee), que decide sobre a taxa básica de juros (Federal Funds Rate). Em 2020, o FED passou a adotar uma abordagem chamada “meta de inflação média” (average inflation targeting), permitindo que a inflação fique acima de 2% por um tempo para compensar períodos anteriores abaixo da meta.

A seguir, acha-se um Quadro ano a ano com a meta de inflação no Brasil, o intervalo de tolerância e a inflação efetiva medida pelo IPCA:

As expectativas de inflação para 2025 e 2026 da pesquisa Focus são de 4,8% e 4,3%, respectivamente. Acima da meta.

Sempre e quando o IPCA fica fora da meta, o presidente do Banco Central envia carta pública ao ministro da Fazenda, explicando as razões do descumprimento, as providências que serão tomadas e o prazo para o atingimento da meta.

Os dados mostrados na tabela mostram que uma meta de inflação ao redor de 4 a 4,5% a.a. seria muito mais realista do que os 3% que vem sendo praticados desde 2024.

Como é fixada a meta de inflação?

Mas, afinal, qual seria o nível de uma meta de inflação realista e adequada para a economia brasileira? Em que evidências empíricas se baseia o CMN, composto apenas pelo ministro da Fazenda, ministro do Planejamento e presidente do Banco Central, para estabelecer a meta de inflação? Como a meta de 3% não tem sido alcançada nos últimos anos, não seria oportuno o CMN fazer estudos mais aprofundados sobre o nível aceitável de nova meta de inflação para o país? E para tanto, não deveria o CMN criar um Comitê mais abrangente para se debruçar sobre a questão, desvencilhando-se do viés “financista” do Banco Central, que secretaria o CMN?

O CMN pode, em teoria, estabelecer uma meta de inflação maior, se considerar necessário. Elevar a meta de inflação, por exemplo, poderia ser uma estratégia em cenários onde há choques externos significativos, pressão cambial causando inflação. Mudar a meta de inflação exige transparência, cautela e gradatividade para evitar falta de compromisso com a estabilidade.

A missão do Banco Central do Brasil está colocada com todas as letras no seu site:

“O objetivo fundamental do BC é assegurar a estabilidade de preços, além de, acessoriamente, zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. (site do BACEN)

A filosofia predominante é de que cumprir metas de inflação não diz respeito só a números, depende também de crenças e expectativas, imagem, alianças políticas, marketing. É preciso que os grandes banqueiros e industriais, os economistas ouvidos pela imprensa e uns poucos políticos de renome tenham confiança no presidente do Banco Central e acreditem que a meta de inflação anunciada com um ano de antecedência pelo governo tenha boa chance de ser cumprida. Se o industrial, o comerciante e o profissional liberal entenderem que a inflação não subirá acima do fixado, tenderão a reajustar seus preços em torno daquele índice.

Como essa é a lógica da fixação de metas, o Banco Central precisa ter mecanismos confiáveis de acompanhamento de todas as variáveis que possam influir no índice de inflação. Entram aí não só as coletas de preços de alimentos, produtos industrializados, roupas, mensalidade escolar, energia, mas também expansão do crédito, gastos públicos, taxa de câmbio, preços no mercado internacional e, por fim, mas não por último, o comportamento da economia mundial.

O Departamento de Pesquisas Econômicas do BC conta com mais de uma centena de analistas encarregados de fazerem projeções dos efeitos de todas essas grandezas sobre a inflação. Eles simulam a taxa de juros mais adequada para manter a inflação dentro da meta. Os técnicos também estimam o impacto de outras medidas sobre o mercado, como câmbio e contenção ou expansão de crédito. Como dizem os técnicos, “essa transparência nos dados é que dá credibilidade à política de metas”.

Além das estimativas feitas pelo corpo técnico, semanalmente o Banco Central consulta 100 instituições – entre bancos, administradoras de recursos, corretoras e consultorias – para conhecer as projeções delas para a economia. Esses dados são publicados no Boletim Focus, que fica disponível no site do banco. Tais estimativas provenientes do mercado financeiro são consideradas por muitos como pouco confiáveis, por distorcerem, em interesse próprio, expectativas de inflação, câmbio e juros. Daí os constantes erros de previsão do mercado financeiro.

A cada 45 dias, todas essas informações, projeções e cenários são sistematizados e levados aos diretores e ao presidente do Banco Central, para a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Assim, o Copom aumenta, abaixa ou mantém as taxas de juros. Outros mecanismos também são eventualmente utilizados para calibrar a inflação, além da adoção de eventuais medidas macroprudenciais, como o controle do crédito, com consequente redução do consumo e acomodação dos preços. Todas as medidas tomadas pelo Copom são explicadas em Ata divulgada dias depois da reunião. Escrita num linguajar cuidadoso, a Ata é interpretada e reinterpretada pelos grandes bancos, que tentam decifrar nas suas entrelinhas as tendências de médio e longo prazo da economia, principalmente no tocante às expectativas inflacionárias.

Os gastos públicos são sempre vistos como os vilões das políticas de estabilização. Todos os planos econômicos anteriores baixados no Brasil desde 1986, dizem os liberais, falharam principalmente por causa do descontrole nas contas do governo. De nada adianta elevar os juros indefinidamente, se na outra ponta o governo não para de gastar. Por isso, economistas ortodoxos olham com desconfiança quando o controle da inflação fica concentrado no Banco Central.

Muitos economistas e analistas de peso consideram ineficaz a política monetária de juros elevados como instrumento de controle da inflação. Um deles é José Serra:

“Isso é uma falácia que pode ser demonstrada empiricamente: os juros brasileiros são, há muitos anos, os mais altos do mundo, e nesse longo período, a inflação já recrudesceu mais de uma vez” … “A alta de juros estimula a entrada de dólares, que valorizam o câmbio. Com isso, as importações ficam mais baratas, as exportações mais caras em dólar, os preços caem e o consumo aumenta. Não são os juros que estão segurando a inflação via queda da demanda, e sim o câmbio valorizado. Os juros descomunais são, sim, eficazes para aumentar a dívida pública e o desequilíbrio fiscal.”

Segundo o mercado, existe um ambiente de total falta de ancoragem: inflação crescente, evolução da dívida/PIB, dentre outras. Teria havido, segundo eles, uma destruição do tripé econômico: meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. A grande questão que se coloca é sobre a real vontade do governo de arrefecer ou não o nível do gasto público. De um lado, o Banco Central busca alcançar a meta de inflação e para isso aumenta a taxa de juros básica da economia, ou seja, pisa no freio, com medidas contracionistas. Acontece que, de outro lado, o governo leva a cabo uma política fiscal “frouxa” pois, ideologicamente, não aceita uma efetiva redução de gastos. Prova disso é que, num momento onde há necessidade de reduzir o ritmo de crescimento da economia, pisa no acelerador, lançando inclusive programas de expansão do gasto (política expansionista).

O mercado definitivamente não acredita na seriedade e efetividade da política fiscal na direção do controle do déficit público. E acha que, por isso, a inflação sairá de controle, obrigando o Banco Central a elevar ainda mais a taxa de juros básica da economia. Mesmo diante dos excelentes resultados fiscais alcançados em 2024, com um déficit fiscal dentro da meta fixada, de apenas 0,1% do PIB, o mercado financeiro desviou a atenção do déficit fiscal para o déficit nominal. Mas não ousam falar dos R$ 600 bilhões de juros que são anualmente pagos para rolar a dívida nem dos R$ 550 bilhões de renúncias fiscais e outros gastos tributários. Muito menos se atém ao fato de praticarmos uma das taxas de juros reais mais elevadas do mundo (da ordem de 9,5% a.a.).

Alguns analistas, mais honestos, consideram que o Congresso Nacional é o grande responsável pelos problemas fiscais enfrentados pelo governo em razão dos lobbies e da falta de vontade de aprovar medidas duras que tirem votos, preferindo ficar convivendo com políticas eleitoreiras.

Há que se contemplar, também, as incertezas provenientes dos EUA que têm efeitos relevantes no Brasil e no resto do mundo. A adoção de tarifas de importação é uma medida claramente inflacionária. O déficit nominal dos EUA, superior a 6% do PIB, dificilmente será controlado porque, para que aconteça, depende de cortes substanciais nos gastos com Social Security, MedicAid e MediCare, medidas que seriam muito impopulares. Tudo isso parece indicar que a taxa longa de juros dos EUA deverá permanecer entre 4 e 5% a.a., o que valoriza o dólar e captura recursos dos investidores no resto do mundo.

A conclusão a que chegam os analistas é de um cenário econômico bastante complexo para o Brasil, havendo expectativa de novos ataques especulativos ao câmbio, o que pioraria ainda mais a taxa de inflação.

Porque o CNM não revê a meta de inflação?

Ela é demasiado desafiadora e faz com que o Banco Central pratique juros básicos exorbitantes. Sua não revisão periga levar o país a uma situação de dominância fiscal. O Banco Central opera uma política monetária completamente mecanicista e inoperante pois a elevação/manutenção da taxa de juros a níveis elevados, além de não lograr o atingimento de uma meta de inflação irreal de 3%, prejudica enormemente a economia como um todo. Traz mais prejuízos para o país do que equilíbrio. E isso é feito, para deleite do mercado financeiro e dos rentistas, que aprisionam o orçamento público, causando significativos déficits nominais e comprometendo políticas sociais e investimentos públicos e privados. Já é da ordem de 30% o sequestro do nosso PIB pela financeirização.

É muito importante e urgente que o Conselho Monetário Nacional reveja a dogmática meta de inflação de 3% a.a., que tem se mostrado totalmente inadequada. Será mesmo essa a meta a ser perseguida? O BC, de forma mecanicista e pretensamente técnica, aumenta desnecessariamente a taxa básica de juros para atingir uma meta irreal de inflação, que não é alcançada. É, no mínimo, uma postura mal intencionada, correr atrás do centro de uma meta irreal de inflação lançando mão de aumentos de juros para supostamente desaquecer uma demanda agregada causadora de inflação. Isso é absurdo!

Não é verdade que a política monetária operacionalizada pelo Banco Central do Brasil seja eminentemente técnica, isenta e transparente. É evidente que o caráter ideológico permeia suas decisões e análises econômicas. Elas são levadas a cabo com base em modelos (todos caixa preta) e em pesquisas de expectativas. É sabido que os modelos matemáticos, quando usados em ciências sociais, não são capazes de produzir resultados precisos e confiáveis. Isso porque as premissas simplificadoras que lhes são impostas não são necessariamente válidas/verdadeiras. Por outro lado, o Banco Central do Brasil faz pesquisas de opinião concentradas no mercado financeiro, que não produz bens e, portanto, não participa da formação de preços na economia. Assim, as respostas do mercado financeiro às sondagens são todas pautadas pelo dogma do risco fiscal, e não sobre expectativas de preços da economia real. Nesse sentido, quem acaba determinando a taxa de juros Selic no Brasil é o mercado financeiro, cujo desejo é de que a taxa real de juros seja, sempre, a mais elevada possível.

É importante entender que nem sempre o combate à inflação é bem sucedido com a elevação da taxa de juros. Nos dias atuais, em que a inflação está contida, a justificativa para a manutenção da taxa Selic passou a ser única e exclusivamente o risco fiscal, o que é uma falácia.

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
Clique aqui para ler artigos do autor.