Já se passou um ano desde que passamos a viver confinados dentro de nossas casas para fugir da onda de contaminação pela Covid-19. De lá para cá a maioria dos países conseguiram controlar a pandemia e, num esforço conjunto, cientistas de diversos países desenvolveram com êxito, pelo menos, cinco vacinas eficazes contra o vírus numa corrida pela vida muita bem-sucedida e numa velocidade incomum.

No entanto variáveis da cepa seguem prosperando, apesar de todo o nosso empenho, mostrando que este vírus é, mesmo, perigoso e não nos dará trégua tão cedo. Basta ver a quantidade e velocidade de pessoas infectadas com as variantes brasileira, africana e do Reino Unido. Por outro lado, a vacinação em massa tem se constituído num verdadeiro escudo para a interrupção deste ciclo medonho que já ceifou milhares de vidas ao redor do mundo. Estados Unidos, Europa e Nova Zelândia são exemplos dessa medida e Israel, praticamente, já vacinou toda a sua população.

Na contramão da história, o Brasil segue fazendo fiasco destacando-se como um dos piores países a tratar da pandemia. Com milhões de infectados e uma alta alarmante nos óbitos diários, ultrapassamos as 250.000 mortes e enfrentamos a pior fase da doença até o momento. Sem medidas severas de contenção das aglomerações de fim de ano e carnaval, sem fiscalização e punição eficientes, assistimos incrédulos às aglomerações no litoral do extremo sul ao nordeste brasileiro numa contaminação espontânea e irresponsável que, agora, está cobrando a conta. O surto de internações graves lotou as UTIS de diversas capitais colapsando o sistema de saúde em vários estados. A trágica realidade de Manaus está se repetindo pelo país em cenas chocantes e apelos dramáticos de enfermeiros, médicos e equipes exaustas, numa rotina desumana nos hospitais brasileiros.

Em meio ao caos da saúde o presidente genocida e seu incompetente ministro veterinário da saúde dão mostras do seu plano sórdido de incrementar a pandemia ao invés de mitigá-la. Não compraram as vacinas disponíveis no mercado nem os IFA para a produção massiva da vacina pelos Instituto Butantã e Fiocruz. Tampouco fizeram um planejamento sério de vacinação e agora, que o circo pega fogo, fazem malabarismo para atender a demanda. Faltam vacinas em muitos estados e municípios que se veem obrigados a interromper a vacinação, deixando desprotegidos os seus cidadãos mais vulneráveis.

Num momento de tamanha gravidade, Bolsonaro questiona a eficácia das máscaras em mais um dos inúmeros péssimos exemplos para a população. Ele que já aglomerou ao seu redor centenas de apoiadores fanáticos sem máscara, qualificou a Covid de “gripezinha”, retirou o auxílio emergencial dos milhares de desempregados, recomendou o uso de Cloroquina e Ivermectina para tratamento precoce, segue jogando contra o povo e a favor do vírus. Trata a doença com desdém, não se comove pelas vítimas nem expressa preocupação com a segunda onda de contágio, infecção e mortandade. Ao contrário disse: “Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”.

Diante deste quadro horrendo, nós, que seguimos à risca o distanciamento social na quarentena – permanecendo em casa, usando máscara, lavando as mãos frequentemente ou as desinfetando com álcool gel -, nos sentimos impotentes diante de nossos conterrâneos egoístas que se recusam a seguir as regras e desafiam as normas e condutas para impedir a transmissão do vírus.

Chegamos no triste ponto em que o Hospital Moinhos de Vento, um dos mais importantes de Porto Alegre, acoplou um contêiner ao lado do seu necrotério local, uma vez que este está abarrotado e sem espaço para armazenar tantos mortos. Governadores tentam comprar vacinas por conta própria numa atitude de revolta diante da morosa e passiva disposição do governo federal para conter a disseminação da doença.

Este é o cenário desolador para a semana de comemorações do Dia Internacional da Mulher. No entanto, devo lembrar o trabalho incansável de algumas cientistas que tanto fazem pela ciência no enfrentamento da primeira e segunda onda da doença: Dra. Margareth Dalcolmo e Natália Pasternak e as pesquisadoras Ester Sabino e Jaqueline Goes, que ajudaram no sequenciamento genético do vírus.

Mas, sinceramente, “desgraça pouca é bobagem” e “nada é tão ruim que não possa piorar”, são os dois chavões que me vem à mente para discorrer sobre o tema. Isso porque uma das coisas que mais pioraram nesta pandemia foram as agressões e o número de feminicídios no território nacional. As mulheres que já conviviam com o assédio no seu cotidiano dentro dos ônibus, trens, metrôs, além dos ambientes de trabalho, agora são as vítimas preferenciais dos abusadores dentro de casa que, em meio à quarentena, se sentem mais à vontade para oprimi-las e com menos riscos de serem denunciados.

Em relação a esta epidemia de violência doméstica tive a sorte de participar, como atriz, de um dos episódios da websérie CONFESSIONÁRIO – Relatos de Casa da atriz Deborah Finocchiaro e do cineasta Luiz Alberto Cassol. São experiências de violência recolhidas pela advogada de direitos das mulheres, Gabriela Souza, cujas narrativas foram transformadas em texto e vividos na tela por diversas atrizes em depoimentos fortes, chocantes e comoventes.

Apresentada no Festival de Gramado 2020, foi a segunda websérie mais votada pelo público. O sucesso alcançado e o interesse despertado junto ao público fizeram com que a equipe partisse para a gravação da segunda temporada que entrou no ar agora em março. Histórias de violência doméstica e de gênero são apresentadas e depois comentadas pela especialista, sempre enfatizando a necessidade de reconhecer a violência e denunciá-la juntamente com o agressor. Uma maneira de discutir através da arte um assunto que ainda é tabu em nossa sociedade patriarcal na qual o machismo impera.

A contar pelos inúmeros casos noticiados pelas mídias semanalmente, o tema está na ordem do dia e precisa de políticas públicas interligadas e eficazes à altura do que o problema exige. Além disso, considero fundamental que a matéria seja abordada também dentro da escola, pois essa violência acontece dentro do lar e normalmente pelos parentes, amigos ou conhecidos das vítimas. Dar visibilidade e oportunidade de conhecimento e discussão dessa violência a partir da adolescência facilitaria muito o seu reconhecimento e denúncia. Só assim poderemos lidar de frente e de modo efetivo no combate dessa chaga que remonta o nosso infeliz passado escravagista.

Por falar nisso, outra pauta candente é o racismo estrutural com os seus desdobramentos diários aviltando homens e mulheres negras, sobretudo nas classes mais pobres e vulneráveis. Os abusos sofridos por esta parcela significativa da sociedade também se encontram nos números de vítimas que as balas perdidas atingem inescrupulosamente. Centenas de jovens e crianças negras foram cruelmente abatidas no ano passado e seguem sendo mortas por policiais mal preparados e uma milícia doentia nas favelas do país. Esse ciclo violento escancara uma polícia malformada, mal treinada, mal orientada e mal remunerada. Um escândalo que segue sem que qualquer atitude prática seja feita para dirimir tamanha deformação.

Antes tarde do que nunca, Maria Carolina de Jesus foi aprovada por unanimidade seguida de aclamação para receber o título de Doutora Honoris Causa pelo Conselho Universitário da UFRJ. Escritora, compositora e poeta da favela do Canindé, a ex-catadora de papel recebeu essa, mais que justa, homenagem póstuma da academia para honrar o seu inestimável legado para as letras brasileiras. Seu Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada é leitura obrigatória para a reconstrução deste país tão desigual.

Nas figuras das escritoras Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo, Sueli Carneiro e Jaqueline Gomes de Jesus, entre tantas outras, o racismo estrutural brasileiro vem ganhando mais espaço de discussão na mídia atual, e o trabalho delas deve ser mencionado como fundamental para o avanço da nossa consciência e compreensão sobre essa chaga que, infelizmente, ainda graça em nosso país.

Neste contexto do papel da mulher na sociedade brasileira devo citar também o trabalho incansável da jornalista Eliane Brum que vem mapeando os abusos diários contra a floresta amazônica e os povos indígenas e ribeirinhos, denunciando práticas criminosas de grileiros, madeireiros e fazendeiros com a conivência do Estado, do Ministério da Agricultura e do Meio Ambiente. Seus textos críticos, precisos e corajosos dão conta de um ecocídio de proporções assustadoras.

Preciso citar que as perseguições contra os intelectuais seguem como prática de intimidação de certos grupos bolsonaristas mais fanáticos que fizeram com que a antropóloga Deborah Diniz e a filósofa Marcia Tiburi se autoexilassem no exterior para manterem a sua saúde emocional e integridade física. Sim, a lei da mordaça já começou a fazer estragos por aqui. Semana passada a Controladoria-Geral da União (CGU) puniu dois professores da Universidade Federal de Pelota (UFPel) com a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta por críticas a Jair Bolsonaro. O documento determina que eles não poderão criticar Bolsonaro nominalmente em eventos da universidade pelo período de dois anos. Entre os professores, está o ex-reitor e coordenador da pesquisa nacional EpiCovid, Pedro Hallal.

Na área artística seguimos resistindo, apesar de tudo. Lives, entrevistas, bate papos e até shows e espetáculos teatrais em cartaz através da internet. Uma das últimas, com grande audiência nacional, foi a de Maria Bethânia. A baiana de voz grave e carisma, incontestável, mostrou porque reina majestosa desde sempre pela música popular brasileira. Sua aparição elegante e simples nos comoveu através de canções emblemáticas de uma carreira iluminada.

Faço a minha parte escrevendo semanalmente sobre os temas do nosso cotidiano brasileiro para dois jornais online: VIVER DE VERDADE, às quartas-feiras e o BLOG ESQUINA DEMOCRÁTICA, às quintas-feiras. Estou com um programa semanal chamado ESTAÇÃO PRATA DA CASA, que faz parte da programação da rádio online ESTAÇÃO DEMOCRACIA, no qual entrevisto brasileiras e brasileiros que fazem a diferença para melhor em suas áreas.

Encerro esta crônica com muito orgulho de ser mulher, brasileira resistindo e dando visibilidade aos assuntos de interesse nacional. Viva 8 de março, Dia Internacional da Mulher!

***

Clique aqui para ver outros artigos da série especial do Terapia Política dedicada ao Dia Internacional da Mulher.