Piada e psicanálise

“Eu não gosto de piada, não gosto que me contem piada”, disse o humorista Luiz Fernando Guimarães numa das entrevistas que deu ao Jô Soares. O Jô ficou surpreso, o público também, e os telespectadores, como eu, idem. Disse e ficou quieto, e o Jô, espantado, perguntou o porquê, e ele explicou que não conseguia rir de uma piada. Fica tenso quando alguém anuncia que irá contar uma piada, pois pode não achar graça. Essa entrevista me ajudou a pensar o tema do humor, da piada que vinha estudando e escrevendo. Quem define o que é uma piada? Quem conta sempre, mas na verdade quem define é quem escuta, pois se não entender como piada, não ri e não é piada. Por isso insisto que contem estória e se o público rir é piada como ocorre na interpretação ou pontuação, é o analisando quem define ao se sentir tocado pela palavra do analista ou a sua própria. Recebi uma lição do Luiz Fernando, e agora a partir de uma entrevista recente no Roda Viva, o vi mais velho, mais sábio no seu livro recém-lançado.

A história da piada não consta do livro autobiográfico “Eu sou uma série de 11 capítulos”, que indico aos depressivos e aos alegres, aos leitores mais sofisticados e aos simples e até aos que não gostam de ler. Autoajuda de verdade unida a conhecimento do ser humano. O livro é todo entremeado com depoimentos de amigas e amigos. Fernanda Torres faz o prefácio e conclui: “Eu amo, idolatro e venero o Luiz”. Regina Casé foi quem o descobriu ao incluí-lo no Asdrúbal Trouxe o Trombone, em 1974 e só dele caminhar numa sala, disse, ao vê-lo: “É um gênio!”. Integrou o grupo TV Pirata que mudou o humor televisivo, fez filmes como “O que é isso companheiro?” no papel de motorista do carro que sequestrou o embaixador americano em 1969. Fez diversas séries como “Os Normais” com Fernanda Torres e depois fez dupla com Pedro Cardoso no Fantástico. Muitas peças de teatro, filmes, é ator há meio século.

No seu livro descreve sua mãe Yara como uma professora da vida. Esclarece que nunca saiu do armário, porque não entrou, sempre se viu como gay. Teve vários parceiros, alguns de longa duração, até conhecer o Adriano, há 25 anos. Há pouco tempo, adotaram duas crianças, são irmãos da Amazônia, são os pais afetivos. Um apaixonado por gente, daí amizades incríveis com Fernanda Montenegro, que adora telefonar para conversar com ele. Foi muito viciado em drogas, em especial no álcool, e chegou a ser internado, pois, como escreve, “nem tudo são flores”. Na internação ficou poucos dias e saiu, seguiu bebendo, mas se assustou com o que viu e mudou de terapeuta. Finalmente, conseguiu dominar o vício, parou com as bebedeiras.

Jô Soares e Miguel Falabella estão entre os amigos que escrevem depoimentos, assim como Gregório Duvivier com quem já trabalhou. Apaixonado por cães, hoje tem 15 num sítio que define como um paraíso. Festeiro, deu festas para cem, duzentas pessoas, é um acumulador de amigos. “Eles vão chegando e vão ficando. Gosto de conhecer novas pessoas.” Mais adiante: “A festa está dentro de nós, a solidão também”.

Depoimento de Evandro Mesquita: “Com ele, o jogo fica bom, o frescobol teatral, ninguém vence, mas todos ganham!”. Escreve: “Não sou político…Pessoalmente, acho um horror a humanidade hoje em dia… mas não perco a fé na humanidade, não”. Luiz faz humor, não faz a guerra, é um ator de uma qualidade rara, aplaudido por todos os públicos, amado por artistas, diretores, críticos. É uma unanimidade nacional – menos os fanáticos – mas é de gente como ele que precisamos aqui e no mundo.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone 

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