O avanço do neoconservadorismo nas últimas décadas não constituiu um fenômeno isolado, especialmente no Norte Global do planeta. Com a perda de energia do projeto de modernidade ocidental desde os anos 1970, o progressismo de vanguarda parece ter expirado, cada vez mais sem criatividade.

Sem mais conseguir validar o horizonte de expectativas superiores de realizações ilimitadas à coletividade, o que acabou sobrando foi impulso político à individualidade da valoração hedonista e narcisista catapultada pelas inovações das tecnologias de comunicação e informação. Dessa forma, a busca pela beleza extrema, vaidade consumista e ostentação nas redes sociais patrocinaram o individualismo competitivo de micros poderes das relações pessoais, sendo o interesse pelo bem da vida associado ao prazer individual e imediato a dominar sobre a coletividade, desconsiderado de suas consequências.

Em grande medida, os imperativos econômicos e as mudanças nas formas de intervenção estatal fizeram com que a pauta do progressismo fosse sendo deslocada das lutas de modernização socioeconômica para a modernidade estética. De outra forma, há o esvaziamento da política do pertencimento de classe para a redefinição de identidades diante da proliferação das consequências sociais ditadas pelas exigências dos ajustes econômicos.

A nova consciência que emergiu disso foi a do presentismo efêmero, transitório e descontinuado pelo imediatismo do momento a considerar decadentes as realizações ilimitadas do passado cada vez mais distante. Neste sentido, o projeto de modernidade ocidental passou a ser visto como obsoleto diante de suas consequências assentadas no infinito poder destrutivo das armas crescentemente sofisticadas e dos limites da natureza às exigências de continuidade do progresso material.

Ao contrário da herança liberal hegemônica validada durante o expansionismo capitalista do passado, o neoliberalismo emergiu contemporâneo enquanto gestionário do colapso do próprio projeto de modernidade ocidental. Os esforços em torno do restabelecimento dos negócios a impor disciplina ética do trabalho em detrimento do nivelamento do Estado de bem-estar social, bem como a liberação das normas de antilibertinagem favoreceram o neoconservadorismo.

Em vez da agenda progressista, outrora voltada ao atendimento das realizações materiais ilimitadas à coletividade, vê-se a centralidade do resguardo do que já existia, contrário à regressão neoliberal. Em função das incertezas de futuro superior, compatível com os riscos de regressão em relação ao passado, ganhou espaço o desejo por certezas crescentemente focadas no plano do existencial.

Para isso, o papel atuante e crescente tanto da retomada das tradições naturalistas como da renovação religiosa converge no lastreamento da ascensão neoconservadora. Em meio à sua inércia política dos desejos, as funções de rebeldia – mais tradicionais ao progressismo – foram sendo assumidas pela extrema direita que ao se reposicionar, algumas vezes, como antissistema, ocupou novo espaço na política pelo voto popular (Pablo Stefanoni, A rebeldia tornou-se de direita? – como o antiprogressismo e a anticorreção política estão construindo um novo sentido comum, 2022; Benjamin Teitelbaum Guerra pela eternidade: o retorno do tradicionalismo e a ascensão da direita populista, 2020).

Mas há na perspectiva de teóricos da modernidade (Theodor Adorno, Teoria estética, 1970; Walter Benjamin, Baudelaire e a modernidade, 2015) a percepção acerca da experiência temporal da transitoriedade. Ou seja, a possibilidade da pluralidade de possibilidades no plano da modernidade, que se diferenciaria perante a emergência de uma nova época histórica.

Nesse sentido, a compreensão de que o atual movimento geopolítico mundial que desloca o centro dinâmico econômico do Ocidente para o Oriente pode estar apontando, concomitantemente com o avanço da transição para a Era Digital, uma nova mudança de época, constitutiva de outro projeto de modernidade. Em se confirmando essa via, existe a oportunidade de haver rompimento com o predominante neoconservadorismo.

Mas isso requer o protagonismo do progressivo em bases distintas das atuais. Haverá tempo, interesse e vontade política.

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Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
Leia também “A distinção no neoliberalismo“, de Luiz Marques.