Cinco especialistas avaliam o relatório da Comissão Europeia sobre a perda de competitividade do capitalismo na Europa.
A Comissão Europeia encomendou a Mario Draghi, ex-dirente da Goldman Sachs, ex-presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro-ministro da Itália, um relatório sobre a competitividade europeia. Após um ano de trabalho, em centenas de páginas, traça-se um diagnóstico exaustivo que reconhece dois pontos essenciais: a perda de competitividade da economia europeia em relação aos Estados Unidos e à China e o fracasso das políticas de “mercado livre” que a União Europeia tem seguido de forma ortodoxa.
O relatório, portanto, questiona certezas ultraliberais e revela a confusão e as contradições que têm dominado as elites políticas europeias, que carecem de uma estratégia de desenvolvimento econômico em escala continental. Além desse diagnóstico, suas recomendações, que incluem, entre outras medidas, a concentração do capital europeu e a mutualização de dívidas para tentar reduzir o “fosso de investimento”, obviamente seguem a mesma lógica de classe das políticas atuais. Para ele, o investimento deve sair dos cofres públicos para ir parar nas grandes empresas.
Contudo, esbarraram desde o início em obstáculos antigos: a pouca vontade de aumentar despesas públicas e a rejeição dos países centrais da Europa, liderados pela Alemanha, de emitir dívida conjunta, além da oposição à concentração bancária e à criação de um “mercado único de capitais”.
O “desafio existencial” do capitalismo europeu, nas palavras do ex-banqueiro, é portanto, uma fratura exposta sem tratamento à vista. Neste dossiê, apresentamos algumas das linhas mestras desse documento e algumas das críticas que, à esquerda, lhe têm sido dirigidas.
Com Adam Tooze, especifica-se a Visão de Europa de Draghi. O economista nos traz alguns dos gráficos utilizados pela equipe de Draghi para mostrar que o investimento público na Europa fica cronicamente atrás dos EUA, mas que a verdadeira diferença entre os dois espaços reside nos tipos de investimento mais inovadores, nomeadamente o capital de risco.
O mesmo especialista detalha como a Europa se tornou um modelo falido de relações entre Estados capitalistas, analisando a parte B do relatório, menos destacada na maioria das leituras, na qual se dissecam as diferenças entre o bloco europeu e seus concorrentes diretos, olhando para empresas e setores específicos, como pesquisa, o setor automobilístico, telecomunicações, computação em nuvem, inteligência artificial, computação quântica, setor farmacêutico, “defesa” e setor espacial. Sua conclusão é de que “as relações entre o grande capital e a governança da UE são profundamente disfuncionais” e que esta “não oferece mais ao capital europeu a plataforma para enfrentar a concorrência global”.
Michael Roberts, em “Salvar o capital europeu: um desafio existencial”, investiga a resposta de Draghi como a habitual solução pró-empresarial: desregulamentar, criar incentivos monetários e fiscais, conceder empréstimos conjuntos, mais impostos e menos despesas em coesão social, subsídios e agricultura, para disponibilizar mais fundos públicos para novas tecnologias. Ainda assim, para aumentar o investimento nos setores de alta tecnologia seria necessário direcionar o investimento privado para estes, algo que os governos da UE não querem fazer, pois implicaria assumir o controle de grandes empresas privadas. Dadas essas contradições, a única forma disponível de aumentar a rentabilidade do capital europeu, afirma, parece ser acentuar a exploração do trabalho e a “destruição criativa” da “tecnologia intermediária”.
Juan Laborda, em “O fracasso do mercado livre e o imperativo da intervenção estatal na Europa”, também se debruça sobre o plano das respostas de Draghi, destacando que a parte mais fraca deste relatório está em “apostar na emissão de dívida europeia para resolver tudo”. De qualquer forma, ele ressalta a importância de concluir o fracasso do “mercado livre” e da necessidade de intervenção pública, pois o essencial da “inovação não reside no mercado, mas no Estado”. Ele ainda acredita que o relatório evidencia a ausência de uma visão geopolítica europeia, além de introduzir outro elemento: o problema dos custos de energia na Europa.
Martine Orange defende que o estudo é “A última remodelação de fachada do projeto europeu”. Ela também destaca a questão energética com a “aberração da liberalização desse mercado”, que conduziu a preços mais altos e menos energias renováveis.
A jornalista do Mediapart também examina o que não está no relatório de Draghi. Entre as omissões, nota-se que não há nenhuma crítica real às políticas europeias, à desregulamentação e à liberalização exagerada, à concorrência interna de todos contra todos, aos padrões sociais mais baixos convertidos em dogma ou à austeridade, que se tornou a norma desde os anos 2010.
O relatório Draghi é um sinal de que o “software” da alta burocracia europeia não mudou, ainda se acreditando que o mercado é, por natureza, eficiente e que, para restaurar a competitividade, resta às políticas públicas colocar-se a seu serviço. Outra ausência importante é a transição ecológica, com algumas das mesmas propostas sendo defendidas.
Já Vicente Ferreira questiona: competitividade para quem? Ele concentra seu olhar também nas omissões de Draghi, como a ausência de análise das regras orçamentárias europeias que definem limites para o investimento dos Estados e das diferenças estruturais entre as economias do centro e das periferias da UE.
O economista ainda enfatiza que o relatório não responde ao fato de que os interesses privados não estão alinhados com as prioridades coletivas, diz muito pouco sobre o papel dos trabalhadores e não inclui propostas sobre a articulação da estratégia industrial com a qualidade do emprego gerado, nem sobre a definição de condicionalidades sociais nos apoios públicos. (Publicado por Esquerda.net)
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Ilustração: Mihai Cauli
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