“There is no deal, until there is a deal” – Donald Trump
Em fevereiro de 2024 ocorreu em Moscou a entrevista de Vladimir Putin com o jornalista americano Tucker Carlson. Foi uma verdadeira aula de história sobre a Ucrânia, recuando à Rus’ de Kiev e à Idade Média, para reforçar a tese de que Rússia e Ucrânia compartilham raízes profundas. Ele questionou a identidade étnica ucraniana e a coerência territorial da nação, classificando a Ucrânia como um “Estado artificial”, cujo formato territorial foi definido sob Stalin, onde regiões como o sul e leste ucraniano não teriam conexão histórica com a Ucrânia. As políticas de “ucranização” e as fronteiras pós-Segunda Guerra Mundial moldaram o país como conhecemos hoje. Disse que consultou Bill Clinton sobre a possibilidade do ingresso da Rússia na OTAN, para o que inicialmente teve resposta positiva e, posteriormente, após consultas com assessores, Clinton voltou atrás. Na época de Gorbachev e Yeltsin foi rejeitado o ingresso da Rússia na União Europeia.
Putin acusou a OTAN de traição: após promessas de não expansão, a aliança avançou para leste, até as fronteiras da Rússia e da Ucrânia. Os protestos de Euromaidan seguido do “golpe de 2014”, com a queda de Viktor Yanukovych, foram patrocinados pela CIA e pelo Ocidente. A guerra no Donbas foi iniciada por Kiev que se recusou a implementar o Acordo de Minsk II, exaustivamente negociado, por interferência da UK e dos EUA.
Posteriormente, em março de 2022, ocorreram negociações presenciais em Istambul, intermediadas pela Turquia, com presença de representantes russos e ucranianos, com o objetivo de alcançar um cessar-fogo e definir uma estrutura de neutralidade para a Ucrânia, em troca da retirada parcial das tropas russas. Resumidamente, o acordo previa:
- A Ucrânia abriria mão de entrar na OTAN.
- A Rússia seria reconhecida como garantidor de segurança, juntamente com outros membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, e teria poder de veto sobre respostas futuras à agressão russa.
- Severas restrições à militarização ucraniana, vetando exercícios ou presença militar de terceiros, sem o aval da Rússia e da China.
- Discussão futura sobre Crimeia e Donbas seria adiada, sem reconhecimento imediato da anexação russa.
- As tropas russas se retirariam das áreas ao redor de Kiev e de outras regiões ocupadas no início da invasão.
Em abril/22, a Rússia se retirou do norte da Ucrânia (Kiev e Chernihiv) e a Ucrânia optou pela continuidade da guerra. Líderes ocidentais, especialmente EUA e Reino Unido, sinalizaram que não viam vantagem em um acordo prematuro que deixasse tropas russas dentro da Ucrânia. Aumentaram a desconfiança e acusações mútuas e o acordo nunca foi assinado. A ajuda militar e financeira ao governo ucraniano cresceu rapidamente após esse período.
No dia 15 de agosto de 2025 houve o encontro de Trump e Putin no Alasca. O objetivo de Trump era um cessar-fogo. O objetivo de Putin, um acordo de paz. Seria uma estupidez para a Rússia aceitar um cessar-fogo logo agora que ela está ganhando a guerra.
As declarações de Trump deixam claro que a posição de Putin prevaleceu:
“…it was determined by all that the best way to end the horrific war between Russia and Ukraine is to go directly to a Peace Agreement, which would end the war, and not a mere Ceasefire Agreement, which often times do not hold up…”
As exigências russas são: o reconhecimento dos quatro territórios conquistados (Luhansk, Donetsk, Zaporijia e Kherson) mais a Crimeia que foi anexada em 2014, neutralidade da Ucrânia corroborada pela sua não adesão à OTAN, negociação de garantias de segurança para o acordo com a participação da Rússia e poder de veto dela e, por fim, desmilitarização da Ucrânia.
É muito improvável que ocorra um cessar fogo na Ucrânia. Também é pouco provável que a guerra termine nas condições impostas pela Rússia através de um acordo de paz. Isso porque as posições da Russia, de um lado, e da Ucrânia e EU, de outro, são hoje irreconciliáveis. Tirando aqueles lobbies cujo principal interesse é a continuidade da guerra, todas as quatro forças envolvidas Russia, Ucrânia, EU e EUA tem interesse em um acordo de paz. Acontece que os timings são diferentes. A Ucrânia está exaurida e não dispõe mais de uma infantaria capaz de resistir ao avanço russo. A Rússia, com todas as sanções sofridas e gastos militares da guerra, tem grande interesse na paz. Acontece que sem a neutralidade da Ucrânia seu problema existencial de segurança continuaria. A EU enfrentará desequilíbrio orçamentário se continuar sustentando a OTAN na guerra e os EUA já mostraram claramente seu desejo de buscar a paz aceitando concessões. Se o acordo de paz ocorrer logo, a vitória da Rússia consistirá na conquista de aproximadamente 20% do território ucraniano. Se demorar mais, a conquista territorial será mais abrangente, após os militares russos marcharem oeste, cruzarem o Rio Dniéper indo ao sul em direção a Odessa e ao norte para Kiev. É interessante notar que essa guerra ocorre no terreno e o que realmente importa é o desgaste do inimigo, a taxa de baixas, e não a conquista de territórios. E a infantaria ucraniana está a ponto de colapsar. A sociedade ucraniana quer mudanças.
Claramente, os EUA querem pular fora dessa enrascada, deixando todo o ônus e a vergonha da derrota no colo da Europa e da Ucrânia. A narrativa mentirosa do perigo da invasão russa sobre a Europa cai definitivamente por terra. Não há razão para hostilidades entre os EUA e a Rússia. Como já foi dito, Trump desistiu de insistir no ingresso da Ucrânia na OTAN e manifestou que a solução para o conflito é um acordo de paz. E se a Europa quiser insistir em confrontar a Rússia, ela e a Ucrânia seguirão sozinhas. E se precisar de armamento, terá de comprá-lo dos EUA, se este for o caso. O processo histórico atingiu um ponto de inflexão e a Europa agora tem que seguir seu caminho sozinha, sem o apoio incondicional dos EUA.
Por força da intransigência das partes envolvidas no conflito, dificilmente haverá algum acordo de paz bem sucedido. Todas as partes envolvidas consideram enfrentar perigos existenciais. O desfecho será no campo de batalha e, ao que tudo indica, a Rússia levará a Ucrânia à exaustão. Permeando tudo isso, há o perigo de um conflito nuclear, o que é muito sério.
Representantes alemães, franceses, britânicos defendiam a guerra para se manterem no poder. Agora, terão que dar nó em pingo d’água para evitarem a revelação de que tudo era uma grande mentira. Ou suas carreiras políticas terminarão para sempre. Será difícil reconhecer que a Rússia não representa uma ameaça para o ocidente e sempre teve razão de não aceitar mísseis da OTAN na sua fronteira com a Ucrânia. Aliás, a própria existência da OTAN passa a ser questionada.
Pessoas como Ursula Von der Leyen, ex-ministra da defesa da Alemanha e atual presidente da Comissão Europeia, farão de tudo para evitar concessões da Ucrânia para um possível acordo de paz. O próprio Zelensky e as pessoas que o rodeiam são insaciáveis e não querem ceder em nada, mesmo sabendo que a Ucrânia está praticamente destruída como nação.
Segundo o Coronel americano aposentado Douglas Macgregor, ex-assessor sênior do secretário de Defesa dos EUA, no primeiro mandato de Trump, a verdade sobre Zelensky um dia vai aparecer.
“Quando terminar a lei marcial e as pessoas se derem conta do mal que ele fez ao povo ucraniano, inclusive no massacre de Bucha, causado pelos ucranianos e não pelos russos, todos se darão conta de que se trata do chefe de uma organização criminosa com muitas mortes nas suas costas, tráfico de crianças, tráfico de mulheres, venda de drogas para cartéis na América Latina, venda de armas para terroristas no Oriente Médio e África. Trata-se de um homem muito sujo. Sentado em cima de sua fortuna, acumulada com recursos de ajuda dos EUA e da Europa e roubada da Ucrânia, distribuída em bancos pelo mundo, deveria ser julgado na Corte Penal Internacional. Ele deve pensar que se conseguir sobreviver à perseguição que sofrerá de muitas de suas vítimas, vai ter de escolher se vai viver nas suas vinícolas na Itália, na sua mansão no sul da Flórida no Golfo ou na sua casa em Israel. Até agora está vivo graças ao MI6 e aos britânicos, mas é provável que tenha um fim parecido com o do Mussolini na Itália”.
Ainda segundo o MacGregor, a EU e a OTAN também deverão ser desmontadas pois o povo europeu já estaria cansado de tanta imposição da burocracia sediada na Bélgica. E os EUA precisam se afastar de tantos lobbies que querem uma guerra perpétua no leste europeu, guerra com o Irã, apoio insano a Israel contra a palestina, etc. Cair fora do conflito da Ucrânia certamente vai contrariar esses grupos de bilionários oligarcas que querem a continuidade das guerras. Mas, fazendo isso, ele estará cumprindo com suas promessas de campanha e envidando esforços para não deixar a crise fiscal e financeira continuar destruindo a economia americana.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
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