Planejamento baseado em informação e o ocaso do Rio de Janeiro
É fato que a gestão de qualquer empreendimento baseada em informações no âmbito privado ou público tenderá a ser mais eficaz para alcançar seus objetivos do que a que não conta com elas e ficam à mercê da incerteza, da sapiência tecnocrática inexperiente da prática, agindo de improviso e deliberando “a sentimento”. Apesar da obviedade dessa ponderação, causa estranheza que sistemas de informação gerencial estruturados mediante levantamento de dados, sua organização, sistematização e disponibilização por equipe competente e dedicada não sejam preservados e fortalecidos. É o caso de sistemas públicos que carecem do entendimento do gestor político temporário no Executivo de serem eles uma necessidade de Estado e terem uma importância estratégica para rever caminhos e planejar iniciativas. Também oferecem condições às pessoas, empresas e instituições em geral de terem noção do ambiente no qual estão inseridas, para que possam participar e criticar.
Não se trata aqui apenas das informações produzidas no âmbito do setor público com recursos públicos, que devem ser disponibilizadas à sociedade por direito para que sejam de seu conhecimento e avaliação, mas também aquelas que possam favorecer a gestão pública oriundas do setor privado e da sociedade em geral com vistas à melhor alocação e direcionamento de recursos orçamentários como, por exemplo, para prevenções sanitárias e cobertura vacinal regulares e em situações de emergência, se considerarmos os problemas que foram enfrentados recentemente na pandemia. Possuir um acervo de informações com característica multidimensional (sociais, econômicas, ambientais, espaciais etc.) constantemente atualizado em um sistema permite ao planejador não só antecipar-se de maneira adequada às demandas latentes da sociedade, mas também atender, de maneira efetiva, às demandas decorrentes de situações não antecipadas.
Para manter e atualizar o sistema, no entanto, as instituições públicas dedicadas a esse fim devem contar com servidores públicos capacitados que promovam não só ações que levarão à oferta de informações precisas (formato, concisão, amplitude), mas que também possam criticá-las e analisá-las de maneira a avaliar sua interação com as demais dimensões do sistema, exercício esse que se registrado criará memória e favorecerá a atividade de planejamento em gestões públicas sucessivas. Assim, o corpo técnico dedicado à crítica, manutenção e expansão do sistema deve possuir a capacitação necessária para abranger as dimensões que o estruturam e estabilidade para que sua tarefa não sofra descontinuidade em razão de mudanças políticas no Executivo.
Estado mínimo e falta de comprometimento público: gestão neoliberal e extrema direita
A retomada neoliberal após o impeachment de Dilma Rousseff levou a que temas caros a essa forma de interpretar o mundo voltassem a nortear posturas e decisões. Como que reagentes à cartilha que lhes pauta, seus representantes passaram a defender mudanças e esposar propostas em linha com a doutrina neoliberal em variados campos do conhecimento, sendo que para a gestão pública defenderam a necessidade de enxugamento das funções do Estado de maneira a que o mercado, que consideram perfeito, pudesse absorver. Uma vez que partem da premissa errônea expressa por sua veleidade generalizadora de que há inchaço de servidores públicos na máquina, sem considerar estudos baseados em levantamentos acurados que não realizam por conveniência e que negam tal interpretação, propõem a suspensão de concursos e revisão de reajustes salariais, bem como a realocação de recursos orçamentários que inviabilizam a manutenção de equipes e funções anteriormente consideradas.
O enfraquecimento do setor público decorrente das ações sugeridas pelos neoliberais simpatizantes do Estado mínimo se alinha ao propósito de capturar o orçamento público para fins privados, tendo em vista sua defesa da pretensa incapacidade do Estado de oferecer serviços de qualidade à sociedade comparativamente à presumida eficiência do mundo empresarial. Os interessados que alimentam tal narrativa são, em geral, políticos com interesses partidários não necessariamente públicos e economistas alinhados à indiferença social neoliberal, e como resultado de sua cruzada se observa a asfixia dos orçamentos das instituições públicas dedicadas ao trato das informações, desestruturação de equipes e atraso e/ou suspensão de levantamentos de dados e pesquisas, tendo como exemplo recente o Censo Demográfico e a falta de apoio ao IBGE.
Os efeitos sociais da falta de planejamento que a ausência de informações acarreta não é motivo de preocupação para os interessados anteriormente mencionados, seja no nível federal ou estadual, que se dedicam – ou não se importam – a que parte do orçamento público se torne secreto, desde que o que não é conhecido atenda às suas predileções individuais ao custo da piora das condições de vida da coletividade que alimenta o erário. Tamanha dedicação no âmbito fluminense, inclusive, levou a que ao longo do tempo alguns servidores dedicados e lideranças políticas fossem afastados de suas funções e da vida pública para o bem de todos. A eles, certamente, não causa espécie que as maiores incidências de extrema pobreza e taxa de desemprego dentre as Unidades da Federação (UFs) da Região Sudeste em 2020 tenham sido observadas no estado do Rio de Janeiro (RJ).
A indiferença da extrema direita que emergiu em 2018 com o propósito de distorcer a realidade e não se esforçou pelo Censo em 2020 no politicamente alinhado RJ desmobilizou a equipe e o acervo organizado pela extinta Fundação CIDE – que deve estar à disposição na Fundação CEPERJ –, não possuindo, assim, uma instituição responsável pelas informações para fins de planejamento. Enquanto isso, nas UFs da Região Sudeste, a primeira colocada São Paulo (31,2% do PIB nacional em 2020) conta com a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), a terceira colocada Minas Gerais (9,0%) dispõe da Fundação João Pinheiro (FJP) e a décima-quarta colocada Espírito Santo (1,8%) possui o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). O RJ, segunda maior UF brasileira (9,9%) e que apresentou a maior perda de participação no PIB desde 2018 (-0,9 ponto percentual) dentre as UFs do Sudeste, por abdicar do SIG como base para o planejamento, não enfrenta os problemas estruturais, vive à mercê das flutuações conjunturais e opta pela falta de comprometimento público com a sociedade, que sem poder participar não pode contribuir para o futuro.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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