Nos últimos três meses, temos visto uma interessante esgrima entre o Banco Central do Brasil e o mercado financeiro. A ação do Banco Central tem como objetivo principal domar o movimento de subida do dólar estadunidense (que em geral leva consigo outras moedas), que leva com ele a inflação aqui dentro.

Assim, as intervenções seguidas do Banco Central agora independente se dão seja subindo a taxa de juros (visando atrair capitais internacionais, e com isso promover a desvalorização das divisas estrangeiras), seja intervindo no mercado de divisas vendendo dólares ou através dos chamados “swaps” cambiais, vendendo direito de comprar dólares no futuro a um preço dado, e com isso tentando segurar a subida da moeda internacional.

O que está de fato no radar do Banco Central é a inflação aqui dentro. Na verdade, dentro da política de metas de inflação que o Banco Central tenta administrar, a meta de inflação para esse ano foi reduzida para 3,75%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual. Isto quer dizer que a inflação para esse ano poderia ficar entre 2,25% e 5,25%, respeitada a meta de inflação e os intervalos para cima e para baixo tolerados para a meta. O problema é que a estimativa de inflação para 2021, medida pelo IPCA-IBGE (indicador adotado no regime de metas) subiu no Boletim Focus do Banco Central do final de junho, que reúne estimativas do mercado, de 5,82% para 5,90%. Ou seja, a previsão já estava fora da meta, e subiu ainda mais.

E isto está acontecendo em meio a um cenário bem ruim. Do lado de fora, no exterior, seguem as preocupações com a inflação dos EUA e algumas previsões de que os EUA poderiam subir sua taxa básica de juros, ocasião em que as subidas recentes no Brasil poderiam ser neutralizadas, e o Banco Central brasileiro subiria ainda mais as taxas, podendo abortar qualquer pretensão a um crescimento econômico um pouco mais robusto aqui dentro, e que se afaste do movimento de “voo de galinha” (subida e descida rápida). Além disso, a imagem negativa do governo Bolsonaro afasta muitos recursos de investidores institucionais, preocupados por associar sua imagem a um governo “genocida”, anti-social e anti-meio ambiente – imagem que o atual governo brasileiro tem hoje no exterior. Ou seja, está difícil atrair capitais, e os motivos são variados.

Além disso, o chamado “êxito exportador” do agronegócio brasileiro aqui joga contra uma conjuntura favorável, de certa maneira. Se de um lado afasta eventuais possibilidades de dificuldades de balanço de pagamentos, pelo desempenho positivo da balança comercial, por outro a subida dos preços internacionais de commodities (não só agrícolas, mas também minerais e energéticas) empurra para o alto a inflação interna. Produtos agrícolas e pecuários, e seus processados, como carnes (suína, bovina e/ou aves), óleo de soja, açúcar e álcool, sobem há algum tempo. Idem para petróleo e seus derivados. Agora, também o inverno mais frio que o habitual tem complicado a produção de milho, que vai acabar impactando fortemente toda a cadeia de produção de carnes, da qual é base para alimentação dos animais. Tudo isso impactando a tal da inflação, que já estava para além do teto da meta.

Isto quer dizer que, muito provavelmente, a gestão anti-inflacionária do Banco Central deve operar forçando para baixo um crescimento econômico mais vigoroso que chegou a entrar no radar das instituições financeiras. Ao mesmo tempo em que esta inflação tem menos a ver com qualquer retomada de crescimento, e muito mais relação com a alta do dólar. De outro lado, tanto lá fora como aqui dentro, seguem as enormes incógnitas sobre a trajetória de desempenho da pandemia do coronavírus, agora com as incertezas relacionadas à tal “variante delta”. Por enquanto, esse processo é só incógnita, e em vários lugares tem se expressado, com o avanço da vacinação, em uma combinação entre maior contágio com menor letalidade (ou seja, sem que se tenha registrado uma ampliação do número de mortes). Mas complica ainda mais as previsões futuras sobre o que vai acontecer com a pandemia, e nada indica que as mutações do vírus não possam levar ao desenvolvimento de cepas de maior letalidade.

Ou seja, variações da moeda estrangeira para cima e para baixo, estimativas diversificadas para a inflação e o desempenho da economia dos próximos meses, insegurança e instabilidade políticas, e apostas diferentes a respeito de como vai se comportar a pandemia – cenário de águas turvas, ideal para os especuladores de alto risco. Apertem os cintos!

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