
A maioria absoluta dos países do planeta está muito endividada. O total da dívida bruta mundial em outubro/25 era da ordem de USD 111 trilhões, correspondendo a 94,7% do PIB mundial. Somente EUA (USD 38 trilhões), China (USD 18,7 trilhões) e Japão (USD 9,8 trilhões) detêm 60,6% da dívida bruta total do planeta. Mesmo assim, a roda continua girando com o dinheiro fluindo e os mercados funcionando com base na dependência crucial da continuidade de tais dívidas e de sua respectiva rolagem.

Se todos estão endividados, de onde vem o dinheiro que os financia? Quando um banco empresta dinheiro, ele provém ou do seu próprio capital, de pessoas que mantêm depósitos nele, ou de investidores que colocam dinheiro em aplicações disponibilizadas por ele. Sempre existe um tomador e um emprestador. Mas quando se trata de um país, a coisa é mais complicada. Por exemplo, os EUA, em outubro de 2025, deviam 38 trilhões de dólares. A quem? Primeiramente, o Tesouro deve ao FED (Banco Central dos EUA) aproximadamente 6,7 trilhões. Outros 7 trilhões são devidos a instituições do governo como o Fundo da Previdência Social (2,8 trilhões), o Fundo de Aposentadoria das Forças Armadas (1,6 trilhão), os investidores privados através de fundos mútuos (3,7 trilhões), governos estaduais e municipais (1,7 trilhão), seguradoras, fundos de pensão, entre outras, perfazendo um total de 24 trilhões. Os cidadãos investem em fundos de pensão, em fundos mútuos, poupanças, etc. e estes compram títulos do tesouro que remuneram tais empréstimos com juros.
Também são credores dos EUA a maioria dos países e investidores do mundo que aplicam suas reservas internacionais e poupanças em títulos do tesouro norte-americano. A China detém 760 bilhões, o Japão detém 1,1 trilhão, o Reino Unido detém 723 bilhões, e os demais países, valores que totalizam oito trilhões. Isso acontece porque os mercados de títulos do tesouro americano apresentam liquidez e segurança para absorver os superávits comerciais dos países. Tanto é assim que em situações de crise ocorre o fenômeno do flight to quality.
Um outro fenômeno que ocorreu na crise de 2007/2008 e na pandemia foi o quantitative easing (QE) onde o FED criou 3,5 trilhões e 4 trilhões, respectivamente, através da recompra de títulos mediante impressão de numerário para criar demanda e sair da recessão. Uma vez ocorrendo a retomada da dinâmica econômica, o processo é revertido, através da recolocação de títulos no mercado e diminuição do excesso de liquidez. Essa é a teoria, que na prática é bem mais complexa já que os preços dos ativos crescem muito em função da concentração de riqueza. Segundo o Banco da Inglaterra, o QE gerou aumento de 20% nas ações e nos títulos públicos. Acontece que 40% do mercado de ações está nas mãos dos 5% mais ricos da população. Eles ficaram em média 128 mil libras mais ricos. O QE teoricamente busca recuperar a demanda agregada, mas termina exacerbando a concentração de renda.
Voltando à dívida, falemos dos juros. Os EUA pagarão um trilhão de juros em 2025. É mais do que o país gasta com suas Forças Armadas. Para 2035, as despesas projetadas de juros são de 1,8 trilhão por ano. Enquanto isso, os gastos com educação, infraestrutura, saúde e defesa ficam comprometidos. É a retroalimentação da financeirização. Cresce a dívida, crescem os juros que fazem crescer a dívida. E o governo precisa emitir mais títulos para continuar rolando suas dívidas. Dados orçamentários do Congresso dos EUA projetam que os juros representarão 4% do PIB dos EUA em 2034. Ou dito de outra maneira, comprometerão 22% da receita orçamentária do país.
O mesmo acontece com os países da OCDE, onde os juros já beiram em média 3,3% do PIB, o que também compromete gastos com educação, saúde e previdência.
Pior ainda acontece nos países em desenvolvimento que, em média, comprometem 38% das suas receitas de exportação no pagamento de juros. Muitos deles alocam 10% de suas receitas orçamentárias no pagamento de juros, com grande dificuldade para rolar suas dívidas. Situação de default complica em demasia a vida dos países já que compromete novos empréstimos e a manutenção das importações que são indispensáveis para suas economias.
Para os países ricos, default é impensável. Eles captam nas suas próprias moedas, podem sempre imprimir dinheiro para pagar dívidas, apesar da espada de Dâmocles da inflação e da depreciação da moeda daí decorrente.
Então, por que razão o sistema econômico mundial continua insistindo nessa saga?
Primeiro, porque as populações estão vivendo mais e requerendo aplicações seguras que garantam suas aposentadorias. E os títulos do tesouro se prestam a esse papel.
Em segundo lugar, porque vivemos em um sistema com significativos desajustes nos fluxos de comércio. Enquanto alguns países acumulam enormes superávits, outros acumulam déficits insustentáveis. No caso dos EUA, seus déficits gêmeos (fiscal e comercial) são financiados pela emissão de dívida.
Em terceiro lugar, porque os Bancos Centrais usam títulos de dívida como ferramentas. Recompram seus títulos para injetar dinheiro na economia e os vendem para retirar liquidez do sistema. Portanto, a dívida do governo lubrifica a política monetária.
Por último, porque existe a questão do risco pairando sobre as economias dos países. Títulos de países estáveis oferecem segurança. Se eles pudessem resgatar suas dívidas, haveria uma escassez de títulos de baixo risco. E uma grande pressão de demanda por tais títulos por parte dos fundos de pensão, seguradoras, bancos, investidores qualificados, etc. Paradoxalmente, o mundo precisa de dívida pública.
Dá para notar que o sistema não é nada estável. Crises da dívida ocorrem quando a confiança se esvai. O credor passa a não confiar no tomador. Historicamente, isso já aconteceu em diversas ocasiões: na crise asiática, em diversos países latino-americanos, etc. Por alguma razão ocorre um gatilho que demole a confiança e nasce a crise.
Cabe a pergunta: é possível esse tipo de crise ocorrer em economias de primeira grandeza? EUA, China, Japão? A maioria dos economistas não acredita que isso possa ocorrer, já que tais países controlam suas moedas, possuem mercados financeiros desenvolvidos e são muito grandes para quebrar (too big to fail). A crise imobiliária nos EUA e em outros países em 2007, a crise do euro em 2019, a pandemia em 2019 são exemplos que os contradizem.
Convém assinalar alguns fatores importantes que podem causar uma crise global:
- – crescimento expressivo da dívida;
- – aumento dos juros, dificultando o serviço da dívida;
- – aprofundamento da financeirização com elevada concentração de riqueza;
- – enfraquecimento do dólar como reserva internacional;
- – risco de perda de confiança dos agentes econômicos no sistema;
- – impossibilidade de realização de investimentos indispensáveis ao bem estar da população e até mesmo à reposição da depreciação dos ativos de infraestrutura;
- – polarização política na maioria dos países;
- – dificuldade de levar a cabo uma política fiscal coerente;
- – crise climática com exigência de investimentos portentosos, que aumentarão as dívidas;
- – envelhecimento das populações aprofundando a crise previdenciária;
- – falta de bom senso para uma convivência geopolítica harmoniosa;
- – desemprego massivo x inteligência artificial;
- – explosão de uma bolha no mercado de ações, extremamente concentrado em empresas de IA;
- – unilateralismo x multilateralismo; e
- – risco de guerras.
Endividamento em outros países:

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Edição da imagem: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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