A guerra se intensificava na Europa. Em junho de 1940, o governo francês assinava um armistício com a Alemanha nazista que formalizava a ocupação do país pelas tropas alemãs. No ano seguinte, Hitler traía seu aliado Stalin e invadia a União Soviética. Enquanto isso, em Hollywood, nada atrapalhava o ritmo frenético da era de ouro dos estúdios. O ataque a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, era algo inimaginável, e a indústria cinematográfica justificava seus altos ganhos financeiros produzindo filmes memoráveis como “O Grande Ditador” (1940), de Chaplin, e “Cidadão Kane” (1941), obra-prima de Orson Welles. Foi em meio a essa época de caos europeu e fulgor hollywoodiano que desponta a figura de John Huston, ex-boxeador, ex-membro da cavalaria mexicana, ex-pintor medíocre e finalmente roteirista promissor.

Em 1936, aos 30 anos de idade, o então roteirista John Huston seria contratado pelo todo poderoso Jack Warner. Esperto, exigiu em seu contrato uma cláusula que comprometia a Warner Bros a deixá-lo escolher um filme para ele próprio dirigir. Warner topou, tinha em suas mãos um roteirista que começava a ser cobiçado pelos estúdios, não havia por que recusar. Cinco anos depois, em 1941, Huston cobraria a fatura. Queria dirigir seu filme e, para surpresa de Warner, escolheu “O Falcão Maltês” (também chamado no Brasil de “Relíquia Macabra”). Baseado no romance policial de Dashiell Hammett de mesmo nome, o filme já havia sido levado às telas duas vezes, em 1930 e 1936, e se tornado um duplo fracasso. De má vontade, Warner aprovou a escolha de Huston, mas impôs duas condições: que o filme fosse barato e apresentasse um ótimo roteiro, para reduzir prováveis danos financeiros e problemas na escolha do elenco.

O primeiro dos vários problemas com a seleção dos atores recaiu sobre a escolha de George Raft – astro de “Scarface, a Vergonha de uma Nação” (1933) – para interpretar o personagem principal, Sam Spade. Raft recusou o papel e enviou uma carta a Jack Warner lembrando-o de que seu novo contrato lhe garantia interpretar somente filmes importantes, o que não era o caso de “O Falcão Maltês”, que para ele não passava de um “filminho B”, e de que havia ainda uma cláusula que não o obrigava a aceitar remakes. Resignado, Warner acabou entregando o papel a um jovem ator de filmes B chamado Humphrey Bogart, que nunca havia atuado como protagonista.

Bogart caiu como uma luva na pele de Sam Spade, um detetive particular que não tinha o menor escrúpulo de ter criminosos como clientes. Marie Astor interpretaria Brigid O’Shaughnessy, sua cliente femme fatale. Peter Lorre – o compulsivo assassino de crianças em “M, o Vampiro de Dusseldorf” (1931), de Fritz Lang – faria o papel do vilão Joel Cairo. Já Sidney Grenstreet, que nunca havia feito um filme na vida, mas Huston tinha gostado de vê-lo como mordomo em uma peça na Broadway, viveria o bombástico vilão Kasper Gutman.

A história, repleta de reviravoltas, pistas falsas e acusações mútuas, começa com a visita de Brigid ao escritório de Spade para pedir uma investigação, o que parecia mais um caso de rotina. Nessa mesma noite, seu sócio vai fazer o serviço e é assassinado. E de repente Spade se vê enredado em uma intrincada trama internacional envolvendo o roubo de uma estatueta cravejada de joias, no formato de um falcão.

Lançado em 3 de outubro de 1941, o subestimado “O Falcão Maltês” fez enorme sucesso; atribuído, em grande parte, ao próprio Huston. O então novato diretor se apoiou fortemente no romance original de Hammett para o roteiro – o que não ocorreu no duplo fracasso de 1930 e 1936 – e transpôs com rigor o estilo do escritor para a tela: “Spade está em todas as cenas, exceto a do assassinato de seu sócio, e todo o filme é visto pela percepção dele, o espectador não sabe mais do que ele”, explicou Huston à época.

O diretor também apostou na fotografia documental de Arthur Edeson para obter o efeito frio, escuro e claustrofóbico que veio a ser conhecido como film noir. E se o roteiro era a fiel tradução do romance, o Sam Spade criado por Bogart fez o filme não só ser diferente do livro como também consideravelmente melhor.

Onde assistir:  HBO Max
Assista também a “O Irlandês” (2019), de Martin Scorsese (NETFLIX)

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Ilustração: Mihai Cauli
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