“Não jogue pérolas aos porcos” resume rapidamente a ideia da “maldição dos recursos naturais” quando falamos de royalties do petróleo. A teoria da maldição dos recursos naturais suscita polêmica entre os economistas, que têm posições contraditórias e questionam a validade das teses.
A tese da “maldição dos recursos naturais” diz que a abundância de recursos naturais gera subdesenvolvimento, estagnação econômica, problemas de governança, alto nível de corrupção e, para alguns autores, leva à violência política e ao descontrole fiscal.
As experiências brasileiras de economias municipais sustentadas pela enxurrada de royalties em seu orçamento e pelo desenvolvimento local baseado na cadeia do petróleo, como o caso de Macaé, no norte fluminense, apontam para uma janela de oportunidade com efeitos deletérios de longo prazo, ou seja, para a consumação da maldição. Olhando para o passado recente, o fim do ciclo de ouro dos royalties deixou os municípios que criaram esta dependência empobrecidos, devido ao comportamento rentista assumido pela municipalidade (“rent-seeking behavior”), e com problemas sociais, pobreza, desemprego e (quase) nenhuma diversificação das atividades econômicas.
Este comportamento e seus resultados de dependência e posterior desintegração do ciclo econômico é algo que os municípios atualmente agraciados com as vantagens (ou desvantagens) dos royalties do Pré-Sal tentam evitar. Maricá é um dos municípios fluminenses que viu os impactos das receitas dos royalties e participações especiais nas suas finanças públicas acontecerem recentemente, em função das Rendas Petrolíferas do campo de Lula, distribuídas entre 2016 e 2019. O impacto no orçamento municipal passou de R$ 301 milhões no ano de 2016 para R$ 1,5 bilhão no último ano fiscal. O município tem 49% de confrontação com o Campo de Lula e deve continuar recebendo um montante considerável pelos próximos 20 anos, a não ser que haja alteração na forma de distribuição destas rendas.
Segundo relatório do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro, o Grau de Dependência do município de Maricá em relação às Rendas Petrolíferas no Exercício de 2018 chegou ao pico de 71,5%.
A estratégia de Maricá para evitar a “maldição dos recursos naturais” está baseada em uma mudança do padrão de desenvolvimento local aproveitando a janela de recebimento de royalties do Pré-Sal. O governo municipal estabeleceu como um dos principais instrumentos desta estratégia a criação, através da lei 2785/2017, do chamado Fundo Soberano de Maricá (FSM).
O Fundo Soberano é uma estratégia inovadora e única entre os municípios brasileiros, já seguida por muitos países produtores de petróleo e por economias dependentes de commoditties. Diversos países produtores de petróleo e gás natural estabeleceram fundos soberanos desde os anos 1950. O primeiro Fundo Soberano surgiu em 1953, no Kwait. Na última década, a iniciativa multiplicou-se e hoje existem 70 fundos soberanos, enquanto o valor aportado tem crescido.
Sob aspectos legais internacionais, os fundos soberanos são considerados instrumentos de investimento governamental, baseados em ativos estrangeiros, normalmente administrados separadamente das reservas oficiais. Esses fundos buscam ativos que permitam altos retornos para render seu capital, por outro lado, devem gerar liquidez em momentos de pressões econômicas e financeiras. Os fundos soberanos vêm se mostrando benéficos nos mercados globais nos momentos de distúrbios macroeconômicos quando utilizados para estabilização, uma vez que são geridos na perspectiva de um investimento de longo prazo, superando os ciclos de negócios.
O FMI classifica os fundos soberanos com base nos seus objetivos estratégicos como fundos de estabilização, fundos de poupança e corporações de investimento de reserva.
Em razão da crise mundial provocada pela pandemia da Covid-19 e da queda do mercado global do petróleo, o fundo norueguês foi notícia recentemente. Diante de um impacto econômico da dimensão da II Guerra Mundial, a Noruega que possui um fundo soberano com mais de US$ 1,3 trilhão em ativos, anunciou que faria uma retirada sem precedentes visando sua estabilização econômica. Esta retirada é excepcional, na medida em que extrapola o valor que o fundo gera em fluxo de caixa de dividendos e pagamentos de juros, o que por regra é evitado.
Na visão de alguns autores, o desenvolvimento econômico necessita de coordenação, de um arcabouço institucional, um sistema de inovação e de políticas que o assegurem. Os fundos soberanos poderiam ser instrumentos nesse sentido?
Para aqueles que defendem que o orçamento público deve basear-se apenas nas rendas regulares (fixas), e que as rendas das fontes de energia fósseis são variáveis em função do mercado e finitas por não serem renováveis, as participações e royalties devem ser tratadas como rendas “extras” para complementação e constituição de um fundo de reserva que mantenha esses recursos como uma reserva infinita.
Ou seja, diante da tese central desta corrente, a mudança tecnológica e a construção de capacidades, assim como a existência de políticas que os promovam, são os determinantes para que haja o desenvolvimento econômico e que setores intensivos em recursos naturais podem servir de base para a mudança estrutural e a diversificação econômica.
Os fundos de poupança têm objetivos intergeracionais de garantir recursos disponíveis para as gerações futuras convertendo os recursos naturais não-renováveis em portfólios e carteiras diversificadas com uma ampla gama de ativos como imóveis, ações, bônus, derivativos, fundos de hedge, etc. Estes fundos visam combater os efeitos degenerativos relativos à doença holandesa e à maldição dos recursos naturais, atuando como fonte de recursos para o desenvolvimento socioeconômico ou para o custeio de longo prazo das políticas públicas.
O Fundo Soberano de Maricá tem por objetivos fazer com que o rendimento do fundo, no futuro, venha garantir o custeio e parte dos investimentos do município; funcionar como fundo garantidor para contratos de concessão administrativa ou patrocinada, como é o caso das Parcerias Público Privadas (PPP); e, ainda, servir para a manutenção das redes de proteção social criadas pela Prefeitura, como os programas de renda básica da cidadania (Cartão Mumbuca), por exemplo.
Aprovado em 2017, o Fundo Soberano de Maricá, inicialmente receberia mensalmente um aporte variável, entre 1% e 5% do valor total da arrecadação (a soma do que é pago como royalties e as participações especiais), dependendo do volume que fosse destinado ao município. Posteriormente, em 2019, o valor da faixa foi revisado para até 10%. E, em janeiro de 2020, o FSM já acumulava R$ 274 milhões, pretendendo alcançar R$ 1,2 bilhão de capital acumulado no período de 10 anos.
É necessário ressaltar que o debate acerca do papel das atividades intensivas em recursos naturais no desenvolvimento econômico faz emergir um amplo desafio para os países, estados e municípios. Nos próximos anos, será importante entender como esta estratégia pioneira da criação de um fundo soberano municipal contribuiu para a adequada apropriação e aplicação pública das rendas provenientes de recursos naturais, neste caso os royalties do petróleo, o estímulo à criação de vantagens comparativas e a busca por diversificação produtiva e mudanças tecnológicas, evitando gerar ao final do ciclo o empobrecimento e os problemas socioeconômicos conhecidos de outras experiências. A agenda de políticas públicas a ser considerada, a ser investigada, tem em Maricá um excelente estudo de caso.