Quem mora no Rio já vive com faixas e placas desde o final do ano passado: “Rio, Capital do G20”. E, pequenininho, embaixo, Brasil 2024. Será a 19ª reunião do G20 desde que, em 2008, para tentar administrar a crise econômica e financeira internacional, passou da estrutura de G20 financeiro (criado a partir das crises financeiras dos anos 1990, o que incluiu o Brasil, onde os países membros eram representados por ministros de Fazenda e/ou Finanças, e presidentes de bancos centrais) para o chamado “G20 dos líderes”, onde os países são representados pelos chefes de governo, presidentes e/ou primeiros-ministros.

São países membros do G20: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, além de conjuntos de países, como a União Europeia e, a partir dessa décima-nona reunião, a União Africana (ou seja, o G20 virou “nome fantasia”, pois passou a contar com 21 membros).

Muitos costumam tentar simplificar dizendo que são as 20 maiores economias do mundo, o que não é verdade. Na África, por exemplo, o Egito e a Nigéria são economias maiores do que a África do Sul, só para ficar em um exemplo (ou talvez, com a crise atual e a desvalorização de sua moeda, a Argentina também perca posição no contexto da América do Sul). Mas, grosso modo, poderíamos dizer que sim, são um conjunto consistente de grandes economias, em geral as maiores em suas regiões.

Assim, o objetivo para o qual foi criado o grupo é consistente com esse perfil, já que esse objetivo era de alguma forma estruturar saídas para a crise da primeira década deste século, tão profunda que as chamadas autoridades financeiras e monetárias não tinham como dar conta dessa administração – ela envolvia políticas mais amplas, daí virar um grupo de chefes de governo com autoridade política para tomar as decisões que as autoridades monetárias não conseguiam tomar.

Entretanto, a década seguinte à da criação do G20 cada vez mais explicitou uma forte polarização internacional e uma disputa hegemônica entre EUA e China. Nos EUA, já no governo Obama, são tomadas medidas considerando a disputa estratégica com a China pela hegemonia. Essa visão evidentemente se acirra com o governo Trump, entre 2017 e 2021. Com a derrota de Trump, o governo Biden segue na disputa, deslanchando um programa trilionário para não apenas reativar a economia dos EUA, mas para colocá-la em condições de seguir a disputa com a China pela hegemonia. Do lado chinês, na primeira metade da década é lançado o que hoje é chamado Iniciativa Cinturão e Rota, que se consolida a partir da segunda metade, uma estratégia internacional chinesa de expansão comercial e de infraestrutura, que avança conectada a mecanismos financeiros e diplomáticos.

Esse processo de disputa hegemônica se intensifica com a disputa tecnológica, uma vez que ocorre ao mesmo tempo em que importantes modificações acontecem no cenário internacional da produção – estamos falando de elementos como a Internet das Coisas, Inteligência Artificial, Blockchain (para segurança de transações), Impressão 3D, Robótica, Drones, Edição Genética, Tecnologia 5G, Nanotecnologia, Energia Solar Fotovoltaica/Transição Energética (segundo a UNCTAD, essas 11 novas tecnologias representavam um mercado de US$ 350 bilhões em 2020, e é estimado em US$ 3,2 trilhões em 2025, com concentração em EUA e China como provedores).

A explicitação do peso chinês na estrutura produtiva internacional durante a pandemia da Covid-19 chama a atenção pela sucessão de interrupções da produção setorial à escala mundial por conta do travamento da produção da China em vários momentos. Ao lado disso, a guerra na Ucrânia também contribui para rearranjos importantes em duas áreas: na economia, por conta dos boicotes dos países do Ocidente, em especial na Europa, e o rearranjo da economia russa em direção à China. Nas finanças, também em função do boicote, mas não só isso, uma discussão cada vez mais profunda sobre o domínio do dólar nas finanças internacionais e a necessidade de se criar alternativas a isso, uma vez que nos eventos da Ucrânia o domínio dos EUA sobre os mecanismos das finanças internacionais foi usado como “arma de guerra” na tentativa de bloquear os russos. Assim, o começo da terceira década do Século XXI traz novos e importantes debates sobre a hegemonia internacional.

Todos esses elementos vêm se refletindo no interior do G20. Refletem-se inclusive em um travamento importante de suas resoluções, como aconteceu na reunião da Indonésia, em 2022. No ano passado, a Índia acabou utilizando a força de seu peso diplomático para que saíssem resoluções da reunião, mas centrando muito em aspectos relevantes para a própria Índia, e escapando um pouco da polarização internacional (ver a respeito, no próprio Terapia Política, o artigo de 15/09/2023, “O Brasil herda um G20 esvaziado?”). Vale observar, como apontado naquele artigo, que “a organização das atividades do G20 é formalmente conduzida por três países – o último, o atual e o futuro anfitrião. Ou seja, a partir do final do ano serão o Brasil, que vai ser o anfitrião em curso, a Índia, último anfitrião e a África do Sul, o futuro anfitrião. Curiosamente, três países dos BRICS, o que deve aumentar ainda mais o peso dos países BRICS na política internacional e vai supor uma coordenação mais azeitada do que nunca”. Neste sentido, a reunião do Rio de Janeiro prepara o caminho para a reunião da África do Sul no ano que vem, e o sucesso no Rio pode mostrar um caminho possível para os sul-africanos.

Assim, o Brasil tenta avançar na sua perspectiva com o lema “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”. Coloca o combate à fome e à pobreza, além do tema das mudanças climáticas como centrais, mas com eles vêm temas como a defesa do sistema de poder multilateral no mundo, a transição energética e a reforma do sistema financeiro internacional e a questão tributária internacional (afinal, as questões têm que ser financiadas).

Vai ser um desafio forte para o governo avançar nessa agenda complexa, com muitos temas exigindo definições dos países, países passando por momentos eleitorais importantes de definição (como Índia, EUA, México, África do Sul e a própria União Europeia, que terá eleições para o seu parlamento no segundo trimestre do ano – fora a Indonésia, que acabou de realizar eleições). Só para ver o sentido desse processo: dependendo do resultado das eleições nos EUA, que será pouco antes da reunião de líderes, o presidente dos EUA pode chegar bem fortalecido na reunião, ou ser apenas um presidente em final de mandato, vindo de grave derrota eleitoral.

Esse processo, que começa abertamente na semana de 19 a 23 de fevereiro, com a primeira reunião formal de ministros de relações exteriores dos países membros, vai se arrastar com dezenas de reuniões no Brasil ao longo do ano. Vamos ver onde conseguimos chegar com esse debate.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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