Um país dotado de imensas reservas petrolíferas, cobiçadas e disputadas por empresas internacionais, é vítima de uma grande conspiração orquestrada por esses interesses contra um governo que julgava caber à nação um quinhão maior dessa riqueza natural, e, para isso, pretendia nacionalizar a exploração de seu subsolo. A orquestração se dá pela cooptação financeira dos meios de comunicação – que promovem uma violenta campanha de desestabilização do governo, criando ambiente favorável à sua deposição –, dos partidos políticos e, por fim, das forças armadas, que se tornam o braço operacional do golpe, cujo desfecho último é a prisão do governante empenhado na causa nacionalista.
Esse enredo, bem pouco original, corresponde a uma história real. Não se trata, porém, do Brasil, mas do Irã. É o tema do livro O Golpe (“The Coup”, no original em inglês), do historiador iraniano Ervand Abrahamian, radicado nos EUA e professor do Baruch College, em Nova York. O livro retrata o golpe aplicado pelos serviços secretos britânico e americano contra o governo do primeiro-ministro iraniano Muhammad Mossadeq, um líder nacionalista derrubado em 1953 por um movimento militar, depois de se envolver profundamente em uma campanha pela nacionalização da exploração do petróleo iraniano. O subtítulo do livro é ainda mais ilustrativo: “1953, a CIA, e as raízes das relações modernas entre Irã e Estados Unidos”.
Duas observações se fazem necessárias sobre isso. Em primeiro lugar, apesar do destaque à participação americana sugerida no subtítulo, Abrahamian enfatiza devidamente o protagonismo desempenhado pelos serviços secretos britânicos na condução do golpe, na medida em que as companhias petrolíferas inglesas eram as principais detentoras das concessões de exploração de petróleo no Irã.
Em segundo lugar, o autor descreve como o primeiro-ministro Mossadeq inicialmente buscou uma renegociação dos contratos de concessão da exploração de petróleo em solo iraniano em termos menos lesivos ao país e, somente depois que essas negociações se mostraram decepcionantes, partiu para a campanha mais radical de nacionalização dos recursos petrolíferos.
Esse episódio traumático contribuiu fortemente para a corrosão da imagem do Ocidente no Irã e ajuda muito a compreender as origens e o triunfo da Revolução Islâmica que, 26 anos após, transformou o país. Vista com antipatia pelo Ocidente devido ao fundamentalismo religioso do regime instituído, a Revolução teve ao menos o mérito de resgatar a altivez do povo, humilhada por décadas de neocolonialismo. A desconfiança – podemos dizer, fundamentada – em relação ao imperialismo ocidental se dirigiu então àquela nação que coordenava um dos polos do sistema internacional bipartido e estabeleceu uma tensão profunda e absoluta entre a nova república islâmica e os EUA que perdura até hoje.
Chama a atenção como o evento golpista seguiu um roteiro familiar aos povos de terceiro mundo, em particular ao Brasil. Não escapa a nós a semelhança com que os primeiros movimentos da conjura se dão por meio de uma cruzada inclemente da mídia – em grande medida estimulados pelos devidos “incentivos” – contra um governo que busca a defesa dos interesses nacionais. Não faltam sequer as campanhas de falsas denúncias lançadas, bem antes que esses mecanismos de desinformação se naturalizassem com a força que vemos atualmente. A partir daí, os partidos vão sendo sucessivamente atraídos pela articulação, até que o governo a ser golpeado se fragilize suficientemente pelo isolamento político e as forças armadas possam se mover no tabuleiro, a fim de efetuar o lance final.
Todos esses elementos são descritos no livro de Abrahamian com a precisão de um bom trabalho historiográfico e tornam a leitura profundamente esclarecedora. A História da humanidade não parece se notabilizar pela inovação. Ao contrário, após uma originalidade trágica, ela se repete e repete como farsa, seguindo aquela famosa máxima, de um não menos famoso pensador.
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Ilustração: Mihai Cauli
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