O homem literal tem imaginação, mas não gosta dela. Acha que é inútil ou pior, perigosa. Um mal a se reprimir. Como a imaginação é o que nos leva aos sentimentos profundos, o homem literal é superficial.
Ele fala de amor, mas como amor é sentimento profundo, o que ele chama de amor não é aquele fogo que arde sem se ver e que transforma em poeta quem dele se afeta. No lugar de amor, há desejo, que ele diz ser amor. Volúvel, ama o que quer e não tem e deixa de amar o que já tem.
A esposa, não deseja porque é dele. Os filhos, também não, porque são dele. E deseja deles só que obedeçam. E sempre desejará que obedeçam, porque gente que se tem não é como as coisas que se tem. Gente tem vontade e sentimento. Coisas não. Na vontade dos outros, a gente até consegue mandar, mas nos sentimentos, não mandamos nem nos nossos.
O homem literal é insatisfeito. Tem prazeres incompletos. Mesmo quando tem o que deseja, o gozo não vem. Prazer é feito de fantasia e ela é o nome que a imaginação tem quando há tesão. Na falta da fantasia, tem fetiches. Apego a alguma coisa que crê ser causa do prazer que não é capaz de encontrar em si mesmo. Ao menos encontra algum prazer na destruição, quando extravasa a insatisfação de não ter satisfação.
É por este prazer que quer uma arma. Duas, se puder. Para fazer o bem, que sempre é algo bom para ele. E continua sendo o bem mesmo quando alguém sofre para que ele tenha para si algo bom. Continuaria sendo mesmo se toda humanidade, exceto ele, precisasse sofrer.
Acredita em Deus e na literalidade da Bíblia. Nada ali é metáfora ou alegoria. O homem literal não interpreta. Obedece. Ao que lê, ouve e vê nas redes sociais também. Nada tem contexto. Não entende a ironia. A poesia não faz sentido e é coisa de viado. Toda interpretação é obra de imaginação inteligente, que para ele também é coisa de viado.
Mas nem tudo que lhe chega à mente, obedece. Ele só segue a verdade literal. A que o liberta da obrigação moral de pensar. Sem interpretar, mede a mentira e a verdade pela origem. Se vindo de alguém que diz falar da bíblia é sempre verdade, porque tudo na Bíblia é literalmente verdadeiro. Já quando vem de alguém que fala sobre heresias como ciência, cultura, moral ou outras fontes gays e comunistas, tampa os ouvidos e fecha os olhos para não contaminar de significados a pureza de seu mundo literal.
O homem literal não tem medo de ofender, mentir, ferir e nem de matar. Mas tem muito medo das palavras. Acha que elas sempre significam o que dizem e não compreende que há um dizer para além delas. Por isso, quando o chamam de viado, ele vira meio viado. O jeito é não deixar dizer. Ou arrebentar quem disse, como se quebrando a boca que fala destruísse a palavra dita.
Ninguém nasce literal, torna-se. Criança, vive livre em sentimentos e imaginação; adulto, se escraviza na literalidade. Pelo assombro dos sonhos, pela incompreensão dos sentimentos, pelo medo de amar.
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Ilustração: Mihai Cauli
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