Numa fase cruel da pandemia, em que já havia uma combinação de alta média de mortes, alta taxa de desemprego e ausência de auxílio emergencial, o ex-presidente Lula retomou sua elegibilidade. A notícia trouxe um sentimento de esperança para parte significativa dos brasileiros e foi amplificada pelo seu discurso do dia 10 de março, considerado por muitos, inclusive por este autor, como o melhor desde que saiu da prisão.

Lula, com sua imensa capacidade de ler o país, trouxe impactos imediatos no meio político e na condução da pandemia. Bolsonaro mudou, ao menos parcialmente, o tom sobre a vacinação e até apareceu de máscara. Os reflexos também foram observados na equipe econômica, que prometeu retomar programas econômicos de auxílio ao crédito e manutenção do emprego. Embora com um atraso de sete meses e milhares de vidas perdidas, o país retomou a compra de vacinas, inclusive a da Pfizer.

Agora, o governo faz uma tentativa de mudar a visão da sociedade sobre a sua condução na pandemia e se apresenta como um incentivador da “união nacional” no combate a ela. União esta que não contou com prefeitos e só recebeu governadores alinhados. Infelizmente, o atual presidente não mudou muito, longe disso. A guerra contra o distanciamento social e a defesa do “kit elixir mágico” do tratamento precoce não saem da pauta de seu discurso. Até mesmo a troca no Ministério da Saúde, que poderia servir como um sinal de mudança, se deu de forma conturbada.

O discurso de Lula parece ter surtido efeito inclusive nos grupos mais ligados à Faria Lima, seja junto a uma parte dos empresários, seja a uma parte dos economistas, resultando no manifesto veiculado no grupo Globo, o qual pede mudança na condução do combate à pandemia e defende a implantação de quatro importantes medidas. Vale ressaltar, todavia, que uma parcela dos signatários deste manifesto também assinou outro, o da defesa do teto (congelamento) dos gastos. Teto este que por não ter sido sequer flexibilizado foi um dos grandes entraves para uma implementação mais efetiva de medidas de combate à pandemia no ano passado e, especialmente, neste ano. Infelizmente, no manifesto não se cogita sua flexibilização e não há menção à ampliação do auxílio emergencial.

Com Lula e seu eventual retorno à presidência, há motivos para se ter esperança? Pensando em um cenário de 2023, em que a pandemia tenha sido controlada, mas que a economia ainda esteja em uma situação difícil, perguntamos: um governo liderado por Lula será capaz de fazer com que o país seja mais uma vez festejado internacionalmente e capaz de melhorar a vida das pessoas?

O cenário é complexo. Junto com a pandemia, o Brasil vive uma das piores situações econômicas depois de anos sob a regência de rígidas políticas fiscais, que começou ainda durante o governo de Dilma Rousseff e foi acentuada durante os governos Temer e Bolsonaro, como foi demostrado no artigo que publiquei em parceria com meus colegas da UFRGS, “Afinal o PT quebrou o Brasil?”.

A consequência dessa política foi a maior recessão da história do Brasil. Alguns dados são reveladores: após 2015 e 2016 terem registrado uma queda média de 3,5% no PIB, durante os governos Temer e Bolsonaro, entre 2017 e 2018, a taxa média de crescimento foi de apenas 1,8%. Em 2019, foi ainda mais baixa: 1,4%. Comparando o PIB a preços constantes de 2019 com 2013, observa-se uma queda de 1,94 pontos percentuais.

Este desempenho anêmico refletiu-se no mercado de trabalho. O ano de 2019 fechou com uma taxa de desemprego de 11%, o que equivale a quase 12 milhões de pessoas. Considerando uma medição mais ampla, na qual se inclui o número de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e aqueles que desistiram de procurar emprego por não terem expectativas de encontrá-lo (os desalentados), esse número chegava a espantosos 26 milhões.

A pandemia agravou o quadro e o resultado econômico, e só não foi pior porque, a muito custo, e por imposição da pressão da sociedade, o governo alterou um pouco seu receituário de política econômica em 2020. Já para 2021, o foco de política econômica voltou a ser o contracionismo fiscal e o respeito ao teto de gastos. Consequentemente, o governo previu uma redução dos gastos com a pandemia em 2021 para menos de 14% do valor usado em 2020, como foi detalhado no artigo “Letargia das medidas econômicas, a gente vê por aqui“.

É arriscado comparar momentos históricos diferentes, e não é este o objetivo deste artigo. Aqui apenas lembramos como o governo petista de 2003 soube responder aos desafios da época.

A média de crescimento no primeiro e segundo governos de FHC foi, respectivamente, de 2,5% e 2,1% e nos governos Lula foi de 3,5% e 4,6%. Levando em consideração o PIB medido em dólar e com base nos dados do FMI, em 2002 o Brasil ocupava a décima terceira posição no ranking global e em 2010 passara para sétimo. Em 2011, ainda galgou mais uma posição. Atualmente caiu para o décimo segundo lugar. Obviamente, como o PIB é medido em dólar, a posição possui forte influência do movimento da taxa de câmbio. Em todo o caso, não deixa de ser um fator relevante a combinação entre crescimento econômico e maior otimismo em relação à economia brasileira, algo que se reflete no câmbio.

Analisando a taxa de desemprego, medida pela Pesquisa Mensal de Emprego, em dezembro de 2002 ela se encontrava em 10,5% e ao final do governo Lula, em dezembro de 2010, estava em 5,3%. Essa redução do desemprego para cerca de metade do que recebeu no final do governo Fernando Henrique Cardoso, foi fruto da criação de quase 15 milhões de empregos entre 2003 e setembro de 2010. (Emprego: a herança bendita de Lula). Além do mais, ao contrário do preconizado pela teoria econômica convencional, o aumento do emprego não elevou a taxa de inflação, que era de 12,5%, em 2002 e diminuiu para 5,91% em 2010, ano em que o crescimento do PIB atingiu a marca de 7,5%.

Durante os governos Lula, foi desmistificada a ideia convencional de que um aumento no salário mínimo iria afetar negativamente o nível de emprego. O crescimento real do mínimo foi de 53,43% em relação ao INPC no acumulado entre 2003 e 2010. Medindo em dólar, o valor passou de 82,90 em 2002, para 290,13 em 2010. A combinação do aumento do emprego e a valorização do salário mínimo com os programas sociais do governo, com destaque ao Bolsa Família, foi fundamental para a melhora na distribuição de renda. Utilizando-se o Índice de Gini para análise, observa-se uma melhora de 9,24%, a maior registrada num período de oito anos: passou de 0,5874, em 2002, para 0,5331, em 2010.

Um aspecto muito criticado nos governos do PT foi a política fiscal, que teria causado a repulsa do mercado financeiro, principalmente o de capitais. Em preços constantes, entre 2002 e 2010 houve uma elevação de 27% no consumo do governo. Todavia, ao se observar a evolução da dívida líquida do setor público, verifica-se que ela caiu de 59,9% para 38,8% do PIB. Vale mencionar que ao final do primeiro governo Dilma, a queda foi ainda mais acentuada, chegando a 32,6%. Ou seja, o terrorismo fiscal que se fez em 2015 era descabido de fundamento econômico.

A elevação do gasto do consumo do governo também deve ser relativizada. Como proporção do PIB, o gasto caiu de 20% para 18%, de 2002 a 2010. Mais uma vez, ao contrário do previsto pela teoria econômica convencional, o gasto público teve um efeito crowding in e não crowding out para os investimentos. Ou seja, o gasto público estimulou a demanda e incentivou o aumento nos gastos dos agentes privados. Os números evidenciam o efeito crowding in, pois na comparação entre 2002 e 2010, a formação bruta de capital fixo apresentou um crescimento real de 64,24%, passou de 18,24% para 21,80% do PIB.

Pode-se argumentar que todos esses resultados são consequência do cenário externo favorável. Realmente, entre 2003 e 2007 houve um bom crescimento mundial, com ascensão dos preços das commodities e elevada liquidez internacional. Mas algumas ressalvas merecem ser feitas. A primeira delas é que as exportações brasileiras não são suficientes para dinamizar a economia, pois representa algo que fica em torno de 10 a 12% do PIB. Ademais, não se pode negar o papel do próprio presidente em tecer diversos acordos comerciais, fortalecer as relações Sul-Sul e manter boas relações com praticamente todos os países.

Não é a primeira vez na história que o Brasil conta com um contexto externo favorável, como foi o caso durante boa parte do governo Lula, mas é a primeira vez que se concilia crescimento econômico e melhora na distribuição de renda, redução do desemprego e melhora em todos os indicadores de vulnerabilidade relevantes. Além da queda do endividamento líquido em relação ao PIB, mencionada anteriormente, há uma melhora do perfil da dívida, pois praticamente zerou sua vinculação às oscilações da taxa de câmbio, que em 2002 explicava cerca de um terço das variações.

Também nunca é demais lembrar o enorme crescimento das nossas reservas internacionais, que tornaram o país credor líquido internacional e possibilitaram que não tivéssemos crises cambiais em 2008 e agora, durante a pandemia. O aumento das reservas internacionais não é algo que ocorra natural e automaticamente sempre que há um ingresso grande de divisas. A autoridade econômica poderia simplesmente ter deixado a moeda se apreciar mais, algo que foi feito por Fernando Henrique nos momentos de maior liquidez internacional, nos anos 1990.

De toda forma, assim como o cenário externo favorável não pode ser a explicação única para o sucesso da economia durante os governos Lula, também sua piora não explica a desaceleração a partir do governo Dilma. Convém lembrar, também, que a maior crise econômica depois de 1929 ocorreu em pleno governo Lula, em 2008. Lula lembrou em seu discurso recente, que assim como foi feito na época da crise, ele voltará a colocar “o povo no centro da economia, como um fator dinamizador, não como algo penoso”. Ou seja, disse que fará o contrário do que geralmente tem sido a política dos governos Temer e Bolsonaro, que diante da crise reduzem os gastos sociais e os investimentos do setor público.

Pelos argumentos apresentados acima e por tantas outras medidas nas áreas sociais, da educação e da saúde é que acredito na capacidade de um novo governo Lula melhorar consideravelmente este país. Obviamente, também houve defeitos, mas entendo que ninguém melhor do que o próprio ex-presidente para corrigi-los, além de aprimorar medidas bem intencionadas, cujos desenhos apresentaram problemas.