Em esforço anterior nesse espaço ponderei quanto às preocupações do desenrolar da pandemia no território fluminense com informações trimestrais do mercado de trabalho produzidas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE relativas ao primeiro trimestre, com acréscimo de outras fontes de divulgação mensal. Desde então, as especulações quanto à evolução da atividade econômica geral, à qual o mercado de trabalho reage de forma defasada, se basearam num abecedário da retomada que tem migrado do “L” preocupante ao “V” desejado.
Considerando-se que cada setor de atividade terá sua consoante ou vogal específica, o que parece mais se aproximar para o total das atividades no estado do Rio de Janeiro, tendo em vista o vale observado em abril, é a de um “V” tímido que ainda poderá se desenhar, já que as informações mais recentes do Índice de atividade econômica regional do Banco Central do Rio de Janeiro (IBCR-RJ) só alcançam o mês de junho. Neste indicador, a queda acumulada de -2,4% nos seis meses de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior é muito inferior à nacional (-6,3% no IBC-Br).
Em vista desse desempenho menos negativo da atividade econômica do Rio de Janeiro se esperaria um desempenho mais favorável no mercado de trabalho fluminense do que em nível nacional, ainda que negativo. Para tal avaliação, e devido à urgência do entendimento da evolução da pandemia, vamos nos basear na PNAD COVID19, pesquisa telefônica experimental criada pelo IBGE e não comparável à PNADC.
Na divulgação desse levantamento para Unidades da Federação (UF’s) relativa ao mês de junho se pôde observar que o desemprego no Rio de Janeiro (12,7%) era ligeiramente superior ao nacional (12,4%), contrário ao esperado. No entanto, esse indicador não expressaria de maneira razoável a condição presente. Uma vez que muitas empresas em funcionamento optaram pela dispensa de trabalhadores, o mesmo que fizeram outras tantas que fecharam suas portas sem o devido apoio governamental, muitos trabalhadores em idade ativa demitidos saíram do mercado de trabalho, e em razão do distanciamento social necessário devido às questões sanitárias não voltaram a buscar nova colocação, tornando-se pessoas fora da força de trabalho (PFFT). Quanto a esse contingente, a PNAD COVID19 de junho informou que do total de pessoas fora do mercado (PFFT), 23,3% delas no RJ não estavam ocupadas e não procuraram trabalho por conta da pandemia ou por falta de trabalho na localidade, mas gostariam de trabalhar (23,8% no Brasil), o que sugere que o desemprego no RJ seria muito superior ao indicado.
Em substituição à taxa de desemprego (desocupação), que capta a impossibilidade de encontrar emprego daqueles que buscam uma nova inserção, os indicadores que melhor expressam a condição do mercado de trabalho durante a pandemia são o nível da ocupação (proporção dos ocupados em relação aos trabalhadores em idade ativa) e a subutilização da força de trabalho (subocupados, desempregados e força de trabalho potencial), que é medida na PNAD COVID19 de maneira aproximada, e não diretamente.
O primeiro indicador mostra a capacidade do mercado em absorver as pessoas aptas a trabalhar e o segundo, a vulnerabilidade da força de trabalho, e em ambos, seja quanto ao dinamismo ou à condição que os trabalhadores estão sujeitos, o mercado de trabalho fluminense revelou maior fragilidade em junho: 47,0% no primeiro (49,0% no Brasil), e 27,3% no segundo (26,2% no Brasil). Tal situação indica, apesar do menor custo em termos de atividade econômica, a gravidade da situação existente no Rio de Janeiro comparada à média nacional, e ainda poderia ser pior se os empregos locais não permitissem que 22,8% dos trabalhadores estivessem afastados em trabalho remoto, condição inferior apenas à do Distrito Federal (25,8%).
No que diz respeito à renda auferida na pandemia, o rendimento efetivo do trabalho recebido pelos trabalhadores fluminenses em junho cobriu apenas 79,5% do rendimento habitual do trabalho (83,1% na média nacional), sendo o Rio de Janeiro um dos estados mais afetados pela pandemia nesse particular (Pernambuco, Sergipe e Bahia são os demais). Em relação à diferença entre a massa de rendimentos habitual e efetiva, 49,6% da massa de rendimentos que se reduziu em razão da pandemia foi compensada pelo pagamento do auxílio emergencial (R$ 1,92 bilhão), que foi direcionado a 35,4% dos domicílios e 41,4% das pessoas neles residentes, mostrando assim a dependência dos residentes ao benefício.
O alcance em termos de domicílios e pessoas do auxílio emergencial (AE) no Rio de Janeiro mostra a importância que essa iniciativa tem para a manutenção da vida societária, suprindo as necessidades humanas das famílias numa condição menos precária do que a que teriam se o recurso fosse inferior. O AE tem sustentado a renda dos domicílios de baixa renda, permitindo-lhes sobreviver e serem mais do que compensados em relação ao rendimento habitualmente auferido, bem como mantendo o consumo que prolonga as vendas. A possibilidade de sua redução ou extinção tem gerado preocupação devido à condição débil da atividade econômica, que mesmo sofrendo mais ou menos setorialmente pôde resistir a um colapso maior.
Como apontado em análise anterior nesse espaço, o AE é uma iniciativa que compõe o rol das decisões políticas necessárias que a OIT havia sinalizado com base na observação das experiências exitosas ao redor do mundo, mas que ficaram muito aquém ao desejado no Brasil. Como exemplos, podemos citar a ausência de ação coordenada a partir do governo federal com os demais entes subnacionais quanto a questões sanitárias e o apoio às pequenas e médias empresas (PME’s), cujas evidências são o negacionismo da gravidade do quadro em curso que não impediu a progressão dos óbitos, e a indiferença do ministro da Economia expressa em reunião ministerial quanto à importância das PME’s para a economia em geral e o emprego em particular.
A indiferença, inclusive, vem sendo um traço característico dos responsáveis pelo projeto neoliberal nacional, cuja trajetória legou à sociedade níveis crescentes de desigualdade devido a favorecimentos obscenos à elite de cidadãos privilegiados, que a primeira parte da proposta de reforma tributária recém-divulgada quer alargar. Tais favorecimentos se dão às expensas do bem-estar que a população que não agrada ao ministério da Economia merece, bem como do investimento produtivo e do crescimento inviabilizados pela política econômica teórica e moralmente ultrapassada que atende plenamente à elite de favorecidos. Neste particular, e para que o projeto neoliberal ganhe fôlego, causa espécie a “surpresa” da descoberta dos invisíveis e o remanejamento populista de recursos orçamentários para atender ao Renda Brasil e à classe-elite que apoia o presidente, em detrimento das necessidades das pastas da saúde e da educação constrangidas pelo teto de gastos aprovado pela dupla Meirelles-Temer (gestor-colaborador), cujo gestor ressurgiu em apoio à dupla Guedes-Bolsonaro para defender seu legado.
Uma vez que a pandemia veio revelar a importância do AE, cujo efeito recém-demonstrado pelos dados da PNAD COVID19 foi a queda da desigualdade, urge apoiar a Frente Parlamentar mista em defesa da renda básica instalada em fins de julho, para que o Congresso represente a sociedade e combata a manutenção da miséria moral do projeto neoliberal gerenciado pelo governo federal, que ao fim e ao cabo deseja que tudo volte a ser como era, para o bem dos privilegiados.