Ao estrondo seguiu-se quase que de imediato o grito das sirenes. Tripulantes com olhos arregalados e apitos abanavam os braços apontando caminhos e dando comandos que não se podiam entender em meio a tanto tumulto. Vozerio, gritaria e sirenes cessaram apenas quando a voz do comandante se fez ouvir pelos alto-falantes.
– Não está acontecendo nada. É só um barulhinho. Uma balançadinha do navio. Quem tem histórico de atleta, nem vai sentir os solavancos. Voltem a fazer o que faziam.
Tripulantes passaram num instante da face tensa aos sorrisos. Alguns hesitantes. Outros forçados. A maioria largos e meio exagerados.
Alguns passageiros queiram saber o que foi aquele barulhão. E os solavancos, que não paravam. Outros os mandavam calar a boca.
– Não ouviu o Comandante? Não foi nada. Quer saber por que? Não é você que está no comando. Deixem o Comandante comandar!
O clima ficou mais tenso quando um sujeito molhado da cabeça aos pés apareceu.
– Água! Água! Está entrando no deque inferior! – Repetia.
– Os botes! Para os botes! – Gritavam alguns.
Um sujeito de paletó e com um livro na mão gritava do alto da sacada do quinto deque que quem tinha fé não precisava de bote. Outros diziam que não entrariam em bote nenhum, porque eram feitos na China. Pouco importava a discussão, pois não havia botes.
A notícia de que a água entrava cada vez mais rápido se espalhou. Os tripulantes já falavam em mortos nos deques inferiores. Mentira! Retrucavam alguns.
– Se o problema é a água, guarda-chuvas protegem da água. Ninguém se molha com guarda-chuva!
– Que besteira! Sou engenheiro e por isso eu sei. Guarda-chuva não funciona para isso.
– Eu também sou engenheiro. Ajudei uma pessoa a atravessar pelo corredor do segundo deque com um guarda-chuva. Ele não se molhou com a água que caía do teto. Por isso eu recomendo o uso de guarda-chuva. Inclusive de forma precoce.
O Comandante apareceu de guarda-chuva em riste.
– Eu me molhei. E daí? Esse negócio de bote é besteira. Não vou pedir bote nenhum. Tem que usar o guarda-chuva nisso daí. Tem também a capa de chuva, que funciona. Tem que usar antes de entrar na água.
Muitos passageiros não acreditavam no Comandante. Ainda mais quando perceberam que os que se aventuravam pelos deques inferiores com capa e guarda-chuvas não voltavam. Aflitos, se perguntavam o que seria deles sem botes e por que o Comandante insistia em não tê-los.
Tripulantes diziam que era por vaidade. Só se é comandante se houver um navio. Em botes, há muitos comandantes. Cada um governando o seu. Outros diziam que era por ignorância mesmo, por não saber para que servem os botes ou por não querer saber da gravidade do acidente. Outros, ainda, achavam que era só maldade mesmo.
A água já tomava vários deques e os mortos eram contados em números assustadores. Todos estavam muito assustados e o Comandante parecia descreditado. Os passageiros da primeira classe exigiram que o Comandante tomasse uma atitude.
Tomou. Organizou um jantar para a primeira classe. De sobremesa, permitiu que arranjassem seus próprios botes. A felicidade foi tanta que os aplausos abafaram os sons dos violinos, que tocavam alto para abafar os sons dos gritos vindos da terceira classe.
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