O palácio parece ter se tornado mais soturno desde a mudança do poder. O novo rei carece da estima, do carisma e, sobretudo, da sabedoria do antigo monarca. E dentre tantas dessabedorias, padece da pior delas, ignora a si mesmo. Pensa que sabe quem é, mas no fundo não sabe. Sabe de si apenas o que imagina saber de si. Ama sua imagem inventada de si mesmo. Imagem grotesca de quem se acha esperto sendo ingênuo, sábio sendo idiota, forte sendo fraco. Como Narciso, ama a imagem de si e tenta abraçá-la como se fosse real e, na tentativa do enlace impossível, afunda e leva seu reino junto. Narciso seria um bom nome, mas ele, que nasceu Hugo, impôs a todos o nome real de Oãmolas I.

Naquele país, os nomes de Reis são curiosamente construídos a muitas mãos. Começa com o majestoso escolhendo um nome. Depois, o povo, na medida em que se tem de seu caráter melhor conhecimento, complementa o nome com sua principal qualidade. Assim, Astolfo II era o altivo. Emilianno IV era o magnânimo. Felisberto, o condescendente e por aí vão nomes escolhidos e caráteres unidos como prenome e sobrenome. Mas qual o caráter de Oãmolas?

Num de seus primeiros julgamentos – naquele reino, quando o caso era difícil, os juízes devolviam ao rei seu poder de julgar e, com ele, o pepino – duas mulheres se apresentaram como sendo, ambas, ao mesmo tempo, mães de uma bela criança. Não havia naqueles tempos as ciências que hoje nos ajudam a desvendar casos assim. Contava-se somente com testemunhos e, naquele caso, havia quem testemunhasse a maternidade tanto de uma quanto de outra. O que fazer?

Pois Oãmolas, do alto de sua envergada moral, primeiro chamou diante de si as duas mulheres, colocando uma à sua esquerda e outra à sua direita. A criança, determinou que fosse colocada em um berço entre as duas. Os presentes demonstraram alguma tensão no momento em que, sem nenhuma explicação prévia, chamou também um de seus guardas e determinou que se colocasse diante da criança, de cimitarra à mão.

Perguntou a cada uma das mulheres o que tinham a dizer em defesa de sua maternidade. A da direita disse palavras de amor à criança. A da direita, discursou sobre sua propriedade privada sobre a criança. Mal terminaram seus discursos e Oãmolas, com um gesto, determinou ao guarda que decapitasse a mãe à sua esquerda.

A cabeça rolou pelo chão, parando sobre os pés do berço. A cabeça sem corpo parecia manter o olhar fixo e preocupado com a criança. A mulher à direita abriu um sorriso de satisfação, imaginando que aquilo significava que Oãmolas lhe daria a criança. No entanto, sua majestade logo deixou claro que a criança seria dada a quem lhe desse mais por ela. A mulher, sentindo-se humilhada pela possibilidade de sair dali sem a criança, entregou-se aos favores do rei que, depois de fartar-se dela e prometendo que a criança seria sua, entregou o bebê para uma nobre condessa que lhe pagou uma vultosa quantia.

A história correu os quatro cantos do reino. No supremo norte, não gostaram de sua atitude. No extremo sul, de população que tinha gosto por cortar cabeças de gente que considerava inferior, foi comemorado como corajoso pela de decapitação. No leste, de população mais preocupada com dinheiro do que com gente, gostaram de saber que o novo rei era do tipo que se comprava com dinheiro. No oeste, lugar de planaltos e planícies, o povo, já desconfiado por natureza, desgostou de vez daquele rei em quem não se podia confiar.

Mas apesar das diferenças entre os povos do reino, esse evento serviu para que, de forma quase unânime e instantânea, o nome daquele soberano se completasse. O monarca, que nasceu Hugo, que passou a chamar-se Oãmolas I, agora era chamado por todos de: O Sem Caráter.

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Ilustração: Mihai Cauli
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