O ódio parece acordar cedo, mas ele nunca dorme. Nós é que deixamos de reparar na sua presença.

Ele está lá, na buzina estridente que te acorda. No grito do vizinho com a esposa e na escarrada que ela dá na omelete dele. No mau humor da mulher que aturou gente inconveniente no ônibus que a leva como se fosse gado.

Nas notícias que pipocam na tela logo cedo. No deputado parrudo que bajula presidente odiando ministro. Na bajulação do indignado que o aplaude. Na reação dos ministros que deixam o ódio mútuo de lado para se unirem contra alguém mais odioso.

No jogo performático e canastrão de quem se esforça por reputação entre gente que enaltece mais mitadas e lacradas que ideias. No oportunismo de quem busca reputação cutucando os ódios de uma população ressentida. Na política de quem quer matar em nome da vida, guerrear em nome da paz e ser autoritário em nome da liberdade.

Nas perversidades do oprimido que acha que só se liberta da opressão quando se torna opressor. Na arrogância de quem fala em nome de muitos sem nunca ouvir ninguém. Na confusão entre ideologia e caráter que torna pessoas santos ou demônios, heróis ou bandidos, não pelo que fazem mas em nome do que fazem.

Na finesse dos que acham que as vidas devem estar a serviço da economia e não a economia a serviço da vida. Na hipocrisia de herdeiros que falam de seus méritos e dos deméritos de quem não herdou nada. No nojo de quem tem etiqueta, mas não tem ética.

No olhar de desconfiança para o preto parado na esquina. No corpo do segurança que impede a entrada da trans no shopping. Nos concretos pontiagudos colocados nos viadutos para que os que nada têm não tenham também onde dormir. Na brutalidade que higieniza a cidade retirando com água fria gente suja das ruas e culpa a solidariedade pela volta delas.

No sacerdote que fala com raiva coisas raivosas. No que julga a tudo e a todos em nome de Deus, exceto a si mesmo, sempre certo porque cita Deus. No que expulsa da igreja o gay por ser pecador, mas abraça o sovina, o guloso, o luxurioso e o vaidoso por serem pecadores. Na palavra que fere como tapa dita com a soberba de quem se acha santo por ferir com palavras.

Na banalidade dos pequenos rancores. Na preguiça perturbada. No ressentimento do babaca e no nojo de quem o acha um babaca. No orgulho de quem se orgulha de olhar os outros como indignos de se orgulharem. Na vaidade de quem quer ser visto por todos enquanto só vê a si mesmo.

O ódio nunca descansa. Está aí, aqui e acolá. Em mim e em você. Para odiarmos como quisermos. E por haver querer no ódio, quando odiamos, somos nós quem odiamos. O ódio não odeia por nós e não odeia nada do que odiamos. Ele só odeia o amor, porque onde há amor, não há ódio.

***

Clique aqui para ler outras crônicas de Julio Pompeu.