Primeiro eram barbaridades ditas. Em especial, contra gente de esquerda ou qualquer um que falasse em nome ou em defesa de minorias. Mas não era nada demais. Apenas palavras, diziam. Como se palavras nada fossem e nada fizessem. E deixaram por menos.
Dele, pouco se dizia porque nada fazia além de chocar com coisas ditas. E poucos lhe davam crédito. Parte porque o consideravam ralé demais para ser levado a sério. Parte porque não se interessavam por política. Como só poucos entendiam onde queria chegar, deixaram por menos.
As palavras alcançaram a mídia, que passou a controlar. Converteram-se em pataquadas com narrativa. Explicações sobre os porquês dos ódios de uma gente ressentida com teorias conspiratórias sobre comunistas agindo sorrateiramente nas instituições republicanas para dominar o mundo. Tão sem sentido, que deixaram por menos.
Era um discurso fácil. Sedutor até para gente inteligente, mas que se sentia traída pelos antigos governantes, todos uns corruptos. Falava com um misto de simpatia e arrogância. Demonstrava insistentemente força e virilidade. Segui-lo parecia apenas fanatismo idiota, coisa de gado. Como pensavam que idiotice não prospera, deixaram por menos.
A mentira era o enredo. Repetida mil e mais mil vezes. Tanto e por tanta gente que parecia uma verdade. Enxurradas de falsidades, imprecisões e fantasias circulavam em discursos, textos e imagens. Pegava-se um pedaço de verdade aqui, outro ali e preenchia o resto com a mais tosca e conveniente mentira. Sem se importar com lógica, coerência, probabilidade ou qualquer senso – inclusive de ridículo -, convertidos aplaudiam, desqualificavam e ameaçavam quem ousasse denunciar a falsidade do discurso. Como pensavam que mentira tem perna curta, deixaram por menos.
No governo, transformou os disparates ditos em ações feitas. Cercou-se de ideólogos da barbárie, religiosos em busca de privilégios e militares amigos. Realizou uma verdadeira anti-política. Buscou militarizar a educação para formar jovens trabalhadores e obedientes, prontos a receberem o chamado de defesa dos valores que dizia serem os da pátria. Como queria mudar a cultura, destruiu a cultura o quanto pôde. Seu governar era uma arquitetura da destruição. Como muitos eram críticos da educação e da cultura, deixaram por menos.
Na política internacional, foi beligerante. Defendeu que o interesse das nações está acima dos interesses da humanidade. Em nome do nacionalismo – como se só os seus iguais fossem dignos de existir – agiu contra a solidariedade, a igualdade e a humanidade. Dentro e fora do seu país. Na defesa do cada um por si e Deus por ele, tornou-se pária com orgulho. Como muitos não entendiam a lógica das relações entre as nações, deixaram por menos.
De absurdo em absurdo, acelerou o processo de deterioração das instituições e da própria democracia. Reduzida a apenas um momento eleitoral passado. Escolha de um líder supremo para fazer o que quer, como quer e quando quer. E qualquer oposição à sua vontade era coisa de inimigo da pátria ou corrupto. E como o amor pelas instituições e pela democracia já vinha abalado, deixaram por menos.
Mesmo quando as mortes começaram aos montes, deixaram por menos. Porque as pessoas dão mais importância ao dinheiro, ao poder e à glória do que à vida.
E foi assim que Adolf Hitler ergueu seu império de ódio, destruição e morte.
E é assim que, vez ou outra, pessoas ressentidas e magoadas, mesquinhas e desamorosas, se deixam seduzir pelo sibilar da serpente cujo veneno lhes consome a humanidade.
***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Clique aqui para ler outras crônicas do autor.