• Ilustração: Mihai Cauli

O Sete de Setembro notabiliza-se por ser o momento em que autoproclamados patriotas celebram a independência do Brasil, explicitando um amor à pátria que vocifera sua ideia genérica de liberdade. Historicamente, o 7/9 marca o momento em que a elite do Brasil afirmou sua independência formal perante o reino de Portugal no início do século XIX, em 1822. Na época, Dom Pedro I recusou-se a aceitar a volta do Brasil à condição de colônia, depois de termos alcançado o status de “reino unido” em 1808, por conta da chegada da família real. Com esta recusa, estabeleceu-se o marco simbólico da afirmação da autonomia brasileira em relação a Portugal.

Quando pensamos num patriota que exalta o 7/9, portanto, é razoável imaginar um sujeito nacionalista que lute por essa autonomia, defendendo os interesses do Estado brasileiro em contraposição a interesses estrangeiros que ferem a soberania nacional. Neste sentido, seria lógico achar que o patriota brasileiro, por exemplo, reverencia a Petrobras como grande patrimônio da sociedade brasileira. Com sua tecnologia espetacular para encontrar petróleo em áreas profundas, a Petrobras descobriu, em 2006, a maior reserva de petróleo do mundo dos últimos 50 anos, o pré-sal. E com a riqueza advinda desta reserva, o Brasil finalmente teria as condições para criar a segurança energética necessária à efetivação do seu projeto de nação desenvolvida do futuro.

Mas os patriotas brasileiros não aceitaram este projeto. A maioria deles apoiou a desmoralização da Petrobras promovida pela Operação Lava-Jato e pela imprensa empresarial, o que minou o protagonismo da gigante brasileira do petróleo na apropriação nacional dos rendimentos do pré-sal. Sob o governo dos patriotas de Bolsonaro e do partido fardado, a Petrobras segue leiloando a fabulosa riqueza oriunda do pré-sal para empresas estrangeiras, desfazendo-se de outros riquíssimos campos de extração e vendendo sua preciosa infraestrutura de refino. É a Petrobras que investe e se arrisca para encontrar o petróleo, mas quando ela encontra a mina de ouro, os patriotas de plantão entregam essa riqueza brasileira para o grande capital internacional em nome da pátria.

O fato é que para um país que nasce como uma colônia de exploração voltada para o mercado externo como o Brasil, conseguir construir um setor energético nacional é um feito extraordinário. Mas a autonomia brasileira em termos de energia não interessa ao governo dos patriotas. Pois além de colocar a Petrobras a serviço dos interesses dos acionistas internacionais, o bolsonarismo também entregou a Eletrobras. Você consegue imaginar um governo patriota francês ou inglês entregando a estrangeiros um setor tão estratégico como o de energia?

Outra grande conquista para ex-colônias agroexportadoras é conseguir desenvolver uma indústria nacional altamente tecnológica. Setores altamente tecnológicos dentro de uma economia nacional geram empregos bem remunerados, ajudam a expandir cadeias produtivas associadas e compõem o centro dinâmico do ambiente produtivo do país. O Brasil havia conseguido criar este círculo virtuoso no campo da engenharia aeronáutica através da Embraer, uma empresa originalmente estatal com notável capacidade de produzir aviões competitivos no mercado internacional. Sabe o que os patriotas de 2021 fizeram com a Embraer? Continuaram o serviço lesa-pátria dos liberais tucanos dos anos 1990 e terminaram de vendê-la. Estão fazendo de tudo para abrir mão da grande joia da indústria nacional para a Boeing, dos EUA. Só não fecharam o negócio porque a Boeing recuou na hora H. Você consegue imaginar um patriota estadunidense apoiando um governo que venda para potências estrangeiras suas grandes empresas, aquelas que geram milhares de empregos e desenvolvem tecnologia de ponta?

Provavelmente, não. Ainda assim, os patriotas do Brasil adoram usar os EUA como referência, especialmente quando querem legitimar sua agenda econômica privatista e desreguladora. Fascinado pelas quinquilharias que compra em Miami e vestido com uma camiseta da Abercrombie de gosto duvidoso, o patriota brasileiro costuma remeter aos Estados Unidos para militar a favor da privatização de universidades públicas no Brasil e da extinção do décimo terceiro e de outros direitos trabalhistas. Mas será que o patriota brasileiro “graduado” em história pelo whatsapp conhece o processo de formação do Estado nacional e do capitalismo estadunidense?

Será que ele sabe que os fundadores da pátria nos EUA construíram o Estado norte-americano a partir de uma revolução armada de libertação nacional contra os ingleses? Será que sabem que, depois disso, os independentistas sediados no norte do país engajaram-se numa guerra civil contra o agronegócio do sul, buscando destruir a grande propriedade monocultora e escravista voltada para a exportação? Será que o patriota brasileiro que bajula os Estados Unidos sabe que as elites norte-americanas formataram seu capitalismo a partir de uma reforma agrária extensiva e de uma política estatal antiliberal voltada para a industrialização do país e para a constituição de um mercado interno capaz de consumir massivamente?

Não, não sabe. Na verdade, o patriota brasileiro milita intensamente contra projetos desenvolvimentistas e nacionalistas que tentam fazer aqui o que foi feito lá. No Brasil, o patriota está intimamente associado ao fazendeiro escravocrata do agronegócio, o capitalista que exaure a terra, não coloca comida na mesa das famílias brasileiras e faz de tudo para manter o Brasil como o fazendão de commodities produzidas para o mercado externo. É esse tipo de projeto agrário-exportador que mobiliza o patriota que se enrola na bandeira e celebra orgulhosamente a cafonice eterna dos proprietários do terceiro mundo.

Poderíamos enfileirar aqui outros exemplos que demonstram como o patriota brasileiro de 2021 e seu governo liberal-fascista supostamente defendem a pátria, mas militam contra os interesses estratégicos do Estado nacional. Eles, que juram amor ao Brasil, apoiam a agenda econômica do banqueiro ultraliberal Paulo Guedes, que quer fechar a maravilhosa fábrica brasileira de semicondutores e cortar 34% da verba anual do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Este mesmo patriota de blusa amarela é aquele que apoiou convictamente a Lava Jato na sua missão de destruir as principais empresas da construção civil brasileira, especialmente as que começavam a conquistar mercados fora do país e a incomodar as empreiteiras norte-americanas.

O patriotismo grotesco

O que temos visto nos últimos tempos, portanto, é o desfile grotesco dos patriotas brasileiros à luz do dia. Se já houve uma direita nacionalista e desenvolvimentista em meio ao partido fardado, o suposto patriotismo do atual governo não tem notícia disso. Os mesmos que dizem “meu partido é o meu país” são aqueles que militam contra a indústria brasileira e qualquer possibilidade de projeto nacional de desenvolvimento com uma política externa autônoma. Com isso, o bolsonarismo mostra para nós, definitivamente, que o pior do Brasil é este patriota. Mas não se engane – o Brasil está repleto de verdadeiros patriotas, mas eles definitivamente não estão na direita.

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Leia também “Sete de setembro” de Julio Pompeu.