Nos últimos anos, houve uma saída importante do capital externo alocado em papéis da dívida pública brasileira, um sinal de desconfiança na economia. A participação do investidor estrangeiro na dívida pública era de 20% em final de 2014, passou a ser de 11,8%, em janeiro de 2019 e agora, em março de 2020, encontra-se no patamar de 9,8% do total. Nos últimos 15 meses, houve uma fuga de capitais externos nessa rubrica no valor de R$ 39 bilhões.

As importantes mudanças no perfil do credor de Títulos da Dívida Pública expressam um novo processo de internalização da economia. Os dados recentes (março de 2020) mostram que as instituições financeiras seguem como principais detentoras da Dívida Pública Federal, com 25,8% de participação no estoque, seguidas pelos fundos de investimento com 25,7% e pelos fundos de pensão com 25,1%, 13,6% outros residentes, e apenas 9,8% nas mãos de não residentes. Além disso, houve uma crescente substituição dos títulos com taxas flutuantes por títulos indexados a índices de preços e taxas prefixadas. Portanto, quase toda Dívida Pública da União está em mãos dos investidores locais (90,2%) e com uma baixa exposição à variação cambial, o que reduz o risco de default com o exterior.

Não existe nenhuma dúvida de que essa saída de capital seja um fator negativo para avaliação do desempenho econômico do país, mas por outro lado, o maior isolamento financeiro da dívida pública brasileira representa certa blindagem contra o que acontece no resto do mundo, pois reduz a exposição externa aos movimentos dos capitais rentistas. Desta forma, o governo pode ter mais autonomia para financiar políticas públicas de curto prazo, com aumento substancial de gastos para combater a pandemia do COVID-19 financiados por dívida. Em adição, com os juros e a inflação em queda, há uma diminuição progressiva também do custo de carregamento da dívida, hoje em 8,39% e com viés de queda.

Em síntese, o sinal positivo é que o Brasil tem uma autonomia relativamente alta para administrar a dívida e o custo dela é decrescente. É uma situação bem distinta de outras economias em desenvolvimento, cujas moedas, a exemplo do Real, não são conversíveis, e possuem um endividamento elevado em moedas fortes, em geral com não residentes.

Sob outro ângulo, a aceleração da taxa de saída de capitais externos investidos na bolsa de valores é um sinal preocupante para o pós-pandemia. A fuga somou R$113 bilhões, entre janeiro de 2019 e abril de 2020, segundo dados da B3 (ex-BM&F/Bovespa), sendo a maior parte dela nos quatro primeiros meses deste ano – R$ 69 bilhões. Esta parece ser uma tendência de médio prazo na economia: o Brasil não tem atraído capitais novos e, pior, tem perdido os que estavam aqui.

Por conta dessa fuga, não é estranho observar que num universo de 18 moedas, no período de janeiro de 2019 até início de maio de 2020, o real se desvalorizou 30%. Grande parte da desvalorização se deu nos quatro primeiros meses deste ano, uma queda de 27%, sendo o pior desempenho entre as 18 moedas. Apenas o peso argentino teve um desempenho pior, com desvalorização de 43%. A desvalorização cambial traz um alívio diante do quadro mundial ao tornar os produtos brasileiros bastante competitivos no mercado mundial, mesmo diante da condução desastrosa da política externa do país.

Fazendo uma espécie de engenharia reversa, se o Brasil tivesse uma dívida pública dolarizada, não seria possível sequer vislumbrar algum futuro, ainda que distante. A crise da moratória de 1982, cujos reflexos duraram mais de 20 anos, teria sido apenas um trailer de uma crise cambial, em 2020.

Sob este aspecto, merece um registro muito especial o acerto da política de recompra da divida, a partir de 2003/2004 e, depois, a expansão das reservas internacionais. Mesmo elas representando um custo de oportunidade baixo no curto prazo, é o preço do seguro de um país frequentemente imerso em incertezas.