Estava caminhando pelas ruas de São Paulo e fui surpreendido pelo PIB potencial. Estava ali, sem disfarce e nem prosa, acampado na calçada. Um desperdício de tantas possibilidades, ali, me olhando com os olhos esbugalhados e famintos.
Fiquei matutando, como poderia estar tão esfarrapado, já que poderia estar todo pimpão, produzindo sem pejo o que fosse. Bugigangas, coisas essenciais, luxo ou comida.
Mas, o PIB potencial queria mostrar sua miséria, um passado sofrido, que teimava em determinar seu futuro. Se foi lastimável no passado, está condenado a seguir o mesmo caminho no futuro.
Um sujeito cheio de panos, da melhor qualidade, cortados na justa medida, cabelos com algo de brilhantina, (opa, isto já não se usa) com o coco lustroso, olhou com desdém aquela triste figura. E deu de ombros, talvez pensando lá em sua cachola, este não tem mais o que oferecer. Já não serve pra nada.
O almofadinha recobrou o caminho, pois não pode ver uma oportunidade naquele maltrapilho. Fiquei curioso e passei pelo PIB potencial e segui o dândi lustroso. O que será que faz este sujeito engomado? Ele entrou num café, abriu sua mochila de grife e sacou um Macbook e um iphone.
Estiquei olhos e ouvidos. Falava uma língua estranha, cheia de palavras em inglês e algumas em francês. Put pra cá e call pra lá. Hedge aqui e forecast acolá. Je ne sais pas. O que eu sei é que o PIB potential fechou o hiato do produto, resmungou. A expectativa de inflação vai subir, esbravejou, com palavras chulas, bem pronunciadas, quase em ritmo de dublagem.
Pensei que falasse com um tubarão das finanças, tal a quantidade de cifras que mastigava no ar. Mas, não, pude ver que deveria ser algum analista de mercado, desses que explicam na TV porque os juros sobem, quando o PIB potencial está na lona.
Dito e feito. Ao chegar em casa, chocado com tanta poliglotice (ok, a palavra não existe, mas se pode entender), me atasquei no sofá velho de guerra e puído, liguei na tv a cabo e fui me informar sobre os acontecimentos.
Lá estava um sujeito, mostrando gráficos e números, com muita proficiência. Revelando cenários terríveis por causa do pobre PIB potencial. Vejam, caros assinantes, ele está na miséria, não dá pra mais nada, um desastre. Vai cambaleando, deixando um rastro de tragédia.
Entenda, caro assinante, quando o hiato do produto se fecha, é cheque mate. F*ckd e um apito tocou para esconder a má palavra. Jogo findo, os juros têm que subir ainda mais, senão as expectativas de inflação não ficarão ancoradas. Imaginei um Titanic batendo num iceberg no Mar do Norte. Vamos à breca.
Mas o analista não apenas apavorava, também tinha uma receita pronta para evitar o desastre da nau à deriva. Sobe a taxa de juros e vai subindo, até que as expectativas de inflação encontrem um ancoradouro firme. Voilà, c’est ça.
Eu fiquei chocado, pois tinha visto o PIB potencial em frangalhos havia pouco e ele me parecia velho e acabado e não era de hoje. Voltei no dia seguinte e o andarilho ainda estava ali, no mesmo lugar, já cansado da caminhada.
Achei melhor não ser indiferente ao desafortunado. Parei e conversei. Ele era conversador, pleno de passado. Então, foi um bate-papo fácil. Me diz, senhor PIB potencial, como que sua vida ficou assim? Fui meio indelicado, mas é melhor ser direto, nestes casos.
Olha, ele me disse, eu dependo de duas coisas. A primeira é aquele PIB que aconteceu de fato e a outra, é a comida do PIB. Comida? Sim, os caras chamam de investimento. Mas não aquele dos janotas, aquele que faz a gente crescer, o produtivo.
Aí acontece uma coisa estranha. O investimento depende das taxas de juros reais e da expectativa de demanda. Se os juros sobem porque a inflação esperada não está ancorada e isto está ligado ao hiato do produto estreito, como ampliar o PIB potencial sem crescimento dos investimentos? É o cachorro correndo atrás do próprio rabo.
Os interesses do rentismo são a morte do desenvolvimento. Querem mais juros, que são a principal razão do crescimento da dívida pública. Pedem superávit primário através de cortes de gastos sociais, mas o ralo da arrecadação são os gastos tributários, principalmente aqueles que não têm nenhuma contrapartida social. Sufocam os investimentos privados e públicos, impedindo o crescimento da produtividade e do PIB potencial.
O PIB potencial é uma ficção conceitual, criada por economistas da visão convencional como medida sobre a capacidade da economia crescer sem pressão sobre a inflação. Depende do crescimento passado do PIB observado. Isto significa que se o PIB observado no passado foi pífio, também será o PIB potencial. É uma armadilha conceitual e real para uma política de crescimento sustentado e que serve a interesses predatórios do rentismo.
Para defender esses interesses predatórios, mantém uma legião de arautos do desastre, que espalham uma razão desarrazoada, como ciência. Sabotam as possibilidades do país todos os dias. Como diz o professor Belluzzo, o paradigma ptolomaico era muito sofisticado, mas totalmente errado. Assim caminhamos com os especialistas em expectativas, incensados pela mídia corporativa, apesar de errarem todas as previsões.
E, pasmem, o Banco Central coleta estas expectativas e justifica sua política baseado nelas. Triste ciência.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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