Há duas semanas, tivemos o primeiro turno das eleições municipais. Muito já foi falado sobre esse processo, mas vou voltar a falar sobre ele aqui. O que acho mais relevante é apontar que as consequências políticas deste processo, que é, do ponto de vista nacional, um evento no caminho das eleições de 2026, estão começando a aparecer. E o posicionamento recente do Ministério da Fazenda, reforçando a ideia de ajuste fiscal, é apenas uma das consequências.

Para começar, na minha avaliação, foi mantida uma polarização entre o bolsonarismo e a esquerda, ou se quiserem simplificar partidariamente, entre o PL e o PT. E aqui, algumas opiniões sobre isso. A primeira é que isso acontece mesmo quando a disputa não envolve diretamente o PL e o PT. No segundo turno em São Paulo, vemos a disputa (partidária) entre o MDB e o PSOL, mas no fundo segue sendo uma disputa entre o PL e o PT. Idem para Porto Alegre, onde a disputa é entre o MDB e o PT, ou para o Rio de Janeiro (decidida no primeiro turno), onde a disputa era entre PL e PSD.

Os partidos da direita (ou centro-direita, como prefeririam alguns), cresceram e muito, mas não apresentam projetos na disputa nacional, e a princípio nem se propõem a isso, fazendo parte do fundo dessa disputa nacional, para o desespero de alguns analistas políticos que gostariam muito de ressuscitar a tal centro-direita na disputa presidencial de 2026. O fracasso eleitoral do PSDB, que segue minguando, é no fundo uma expressão disso. Os partidos da centro-direita que cresceram não apontam para essa vontade da disputa (embora em política nada possa ser descartado), estão mais para “negociar o passe” com algum dos líderes da polarização.

Do ponto de vista partidário, houve uma concentração de poder (e votos) nos chamados grandes partidos, reduzindo a fragmentação. Isto era esperado com a nova legislação partidária e contou com um papel importante do fundo partidário e das emendas parlamentares, que explicam também o crescimento dos grandes partidos nos últimos processos eleitorais. Com proporções diferentes, além do PL e do PT, cresceram em votos o PSD, o MDB, o PP, o União Brasil (esse, pouquinho), o Republicanos e o PSB, na turma dos que tiveram mais de três milhões de votos em 2024.

Assim, o quadro institucional de disputa em 2026, a menos que ocorra alguma grande mudança no cenário – está longe a data, sempre pode haver modificações, a conjuntura nacional e internacional, e também a economia estão voláteis – vai depender de uma disputa por esses partidos da centro-direita. Esse será o jogo do pragmatismo, que parece ser o caminho que o atual bloco no poder vai trilhar.

Se for de fato isso, ajuda a explicar um comportamento objetivo, dessa semana, do atual ministro da Fazenda, Haddad. Em entrevista a uma jornalista, Haddad reafirmou uma visão fiscalista, de um forte ajuste de gastos, com o objetivo de evitar uma eventual explosão da dívida pública. Além da entrevista à jornalista Mônica Bérgamo, que fala por si, Haddad se reuniu com a ministra do Planejamento Simone Tebet, já para discutir os cortes efetivos dos gastos, inclusive gastos previstos como mínimos constitucionais, como saúde e educação, e o aumento do piso previdenciário vinculado ao salário mínimo (que tem uma política própria de crescimento real). A discussão está longe de ser simples, mas seguramente cai como música aos ouvidos do setor financeiro. Ao mesmo tempo, o presidente Lula se reunia com um pequeno grupo de grandes banqueiros para ouvir sugestões e conversar. Provavelmente, as conversas caminharam no mesmo sentido.

Se, de fato, o processo eleitoral recente foi um reforço da centro-direita, e se esta será fundamental para uma vitória eleitoral “clássica” em 2026 com o apoio da centro-direita, o movimento político está absolutamente consistente. Evidentemente, esta centro-direita caminhará com os interesses do segmento financeiro, e a sinalização do governo para esse setor a esta altura é mais do que clara.

Nesse caso, quem corre risco não é a vitória eleitoral, dentro desse cálculo pragmático. São os gastos sociais, o desenvolvimento nacional, e qualquer pretensão transformadora da sociedade brasileira, infelizmente.

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Revisão: Celia Bartone
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