Nesta última segunda-feira, dia 5 de agosto, os mercados mundiais tomaram um susto. Rodando pelo mundo, com a abertura no Oriente, o índice Nikkei, o mais popular da Bolsa de Tóquio, despencou mais de 12%, a maior queda desde a grande queda das bolsas mundiais em outubro de 1987. Lembrando que, de lá para cá, se institucionalizou a interrupção das negociações (o chamado “circuit breaker”) e outros mecanismos de defesa. Ou seja, 12% agora é uma queda com todas as defesas constituídas desde então. No mesmo dia, a Bolsa de Seul, na Coreia do Sul, caiu quase 9%. As bolsas europeias arrefeceram a queda, caindo por volta de 2%, enquanto as dos EUA caíram por volta de 3%. No Brasil, a queda foi pequena, de cerca de 0,5%.

Ou seja, o pânico do início do dia, com o fechamento das bolsas no Oriente, acabou bastante atenuado ao longo do dia. A explicação aparente para a queda ter sido maior no Japão foi que, além do cenário mais amplo, o banco central japonês teria aumentado bastante a taxa, de 0% a 0,1% para 0,25% (para os números brasileiros, subiu de nada para coisa nenhuma, mas por lá parece ser significativo e uma reação da autoridade monetária local à previsão de que a inflação superaria a meta de 2%).

O tal cenário mais amplo, que poderia impactar significativamente o cenário global de forma mais acentuada, é formado pelas expectativas de que a economia estadunidense entre em uma recessão (o que poderia estar começando a ser sinalizado pelos dados do mercado de trabalho dos EUA, divulgados na sexta-feira anterior, 2 de agosto, pelo órgão de estatísticas de trabalho dos EUA, o Bureau of Labor Statistics – as informações estão disponíveis em Employment Situation – 2024 M07 Results (bls.gov)).

Ao longo do dia, especulou-se sobre a possibilidade do FED, o banco central dos EUA, baixar as taxas de juros, como forma de dar sinais positivos para o mercado. O movimento especulativo se transmitiu rapidamente para os mercados de câmbio (que poderiam ser afetados especialmente pelos movimentos de taxas de juros entre os diversos países) e pelos mercados de commodities, como o petróleo e minerais, que poderiam ser afetados concretamente por uma recessão que diminuísse a demanda por essas mercadorias a nível mundial. Como em toda situação de pânico, boatos com maior ou menor grau de veracidade circulam rapidamente, a especulação campeia no mercado, assim como a ação de “pescadores de águas turvas” – operadores que buscam obter ganhos nesses momentos de pânico.

Independentemente dos fatos e boatos da conjuntura, e para além do soluço forte ocorrido na última segunda-feira, o que está por trás de movimentos mais agudos é a administração que vem sendo feita de uma “bolha financeira”. Os mercados evidentemente subiram muito mais que a economia real, e agora todos esperam um ajuste para algum momento. Assim reagem ao aparecimento concreto de algum sinal negativo, ou muitas vezes à simples possibilidade de que apareçam.

A crise de 2007-2008 foi contornada por políticas de expansão monetária (“quantitative easing”, como ficaram conhecidas), juros baixos e novas regulações financeiras (que aparentam terem sido facilmente contornadas pelos fundos mais especulativos). Assim, seguimos com o fantasma da crise de mais de 15 anos atrás presente, e as possibilidades de uma crise aguda voltar a se concretizar não está descartada. Os mercados se movem tomando em consideração essa possibilidade, e as apostas se dão em cima desse cenário.

Mais do que isso, muitos elementos aparecem ajudando esse processo de apostas no cenário internacional. Conflitos em curso, como na Ucrânia e na Palestina, afetam concretamente os preços. Tensões geopolíticas, como a disputa hegemônica entre China e EUA, colocam elementos estruturais no cenário, onde vão estar ainda por décadas. Processos eleitorais, como o que vem por aí nos EUA, abrem também caminho para apostas. Os EUA já vêm dificultando a entrada de produtos chineses há quase dez anos, de diversas formas. Trump, um dos candidatos naquele país, diz que vai ampliar ainda mais as restrições à entrada de produtos chineses, o que deve complicar a operação de várias cadeias globais de produção, e afetar os preços nos EUA e no mundo (e, com isso, mais apostas em aumento de juros nos EUA e recessão). Evidentemente, eventuais tensões comerciais entre EUA e China se espalharão rapidamente por outros países do mundo. A situação não é simples, e as águas talvez nunca tenham ficado tão turvas, ambiente ideal para alguns especuladores.

O Brasil, cada vez mais voltado para o mercado internacional, evidentemente pode ser negativamente afetado por movimentos de restrição do comércio internacional. Só para exemplificar aqui, uma encomenda menor de produtos chineses pelos EUA pode reduzir o dinamismo de alguns setores produtivos na China, dos quais o Brasil é grande fornecedor de commodities. Por outro lado, uma redução do acesso ao mercado estadunidense pode acelerar entre os produtores chineses a busca por novos mercados, lembrando que na América do Sul, por exemplo, os chineses já são grandes competidores dos exportadores industriais brasileiros, em um dos únicos mercados em que ainda entramos com esses produtos, impactando negativamente os exportadores brasileiros de manufaturados. Por outro lado, reduções das taxas de juros em vários países no mercado internacional podem favorecer a redução de taxas de juros por aqui também, o que seria bastante positivo do ponto de vista interno, para acelerar investimentos e consumo.

O mercado internacional não está nada tranquilo, e esse soluço recente, pelo pânico que gerou, indica o tamanho do problema, que não se concretizou agora, mas não está descartado. Sinaliza para o Brasil que o caminho de buscar uma expansão maior via mercado interno seria bem menos problemática. Mas, aparentemente, as elites econômicas brasileiras ainda fazem apostas que podem nos colocar mais expostos a uma crise mundial cada vez mais possível, com maior dependência dos mercados internacionais e taxas de juros mais altas internamente.

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Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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