Mesmo entre os congressistas contrários à anistia, alguns consideram que há excessos na pena aos golpistas.
Muita sandice e fake news têm sido ditas sobre as condenações aplicadas aos manifestantes extremistas dos atos de oito de janeiro de 2023, que invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. E mais besteiras e mentiras imperam sobre o Projeto de Lei da Anistia, tanto por parlamentares de oposição ao governo, quanto pela própria imprensa.
Em 2023 foram presas 1430 pessoas. Delas, 1.357 foram liberadas provisoriamente, oito foram absolvidas e 65 permanecem presas (sendo, 55 em prisão provisória e 10 em prisão domiciliar). A maioria das 1357 pessoas que foram soltas ainda respondem a processos judiciais e não foram consideradas inocentes até o momento. Dentre elas, 542 firmaram acordos de não persecução penal com o Ministério Público Federal (MPF), aplicados aos casos considerados sem violência ou grave ameaça, com penas de até quatro anos e 523 já foram condenadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento nos atos antidemocráticos de oito de janeiro de 2023.
Os acordos de não persecução penal (ANPP) foram aplicados quando o indiciado, livremente, sendo réu primário e confessando o crime, decidiu aderir ao acordo oferecido por não ter cometido crime com violência ou grave ameaça, caso em que se aplica pena mínima inferior a quatro anos. O ANPP enseja prestação de serviços à comunidade, multa pecuniária, cursos de cidadania e democracia e obrigação de não se envolver com movimentos antidemocráticos.
Para os crimes mais graves, o STF tem julgado os acusados com base em uma combinação de artigos do Código Penal e da Lei de Segurança Nacional (revogada e substituída pela nova Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito – Lei nº 14.197/2021), promulgada pelo então presidente Jair Messias Bolsonaro. Os principais crimes incluem:
- Associação criminosa (Art. 288 do Código Penal)
“Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.”
- Pena: um a três anos de reclusão.
Aumento: Se a associação for armada ou houver a participação de criança ou adolescente, a pena aumenta.
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Art. 359-L do Código Penal, inserido pela Lei 14.197/2021)
“Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.”
- Pena: quatro a oito anos de reclusão, além da pena correspondente à violência.
- Golpe de Estado (Art. 359-M do Código Penal, inserido pela Lei 14.197/2021)
“Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.”
- Pena: quatro a 12 anos de reclusão, além da pena correspondente à violência.
- Dano qualificado (Art. 163, parágrafo único, III e IV do Código Penal)
É o crime de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. É qualificado quando cometido (III) contra o patrimônio da União, Estado, Município ou empresas públicas; (IV) por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima.
- Pena (qualificado): seis meses a três anos de detenção e multa.
- Deterioração de patrimônio tombado (Art. 62, I da Lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais)
“Destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial.”
Ex: bens tombados pelo patrimônio histórico.
- Pena: um a três anos de reclusão e multa.
Nos julgamentos, foram aplicados agravantes como participação ativa na invasão, liderança ou incitação, organização prévia, desrespeito às autoridades e atenuantes como confissão e ausência de antecedentes criminais.
Tomando-se um exemplo de uma condenação a 17 anos de prisão, o STF aplicou o concurso material de crimes (Art. 69 do CP), que significa somar as penas individualmente porque os crimes ocorreram com ações distintas, ainda que em um mesmo evento.
- Associação criminosa (Art. 288 CP) → três anos.
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito → seis anos.
- Golpe de Estado (Art. 359-M CP) → oito anos.
- Total parcial: 17 anos.
- Dano qualificado + Deterioração de bem tombado → não aumentaram tempo, mas resultaram em multas e agravantes.
Existem muitas críticas em relação a um suposto rigor excessivo dos ministros do STF condenando os réus tanto por crimes contra o patrimônio público, quanto contra o Estado Democrático de Direito. Observa-se que, de fato, a soma das penas aplicadas para os crimes conexos de abolição do Estado de Direito e de tentativa de golpe de Estado chega, no exemplo, a 14 anos de prisão. E essa dosimetria, considerada por muitos excessiva, ensejaria razão para a aprovação, no Congresso Nacional, de um Projeto de Lei de Anistia.
Daí a tramitação na Câmara de Deputados de Projeto de Lei de Anistia, cujo texto apresentado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) no ano passado, pelo relator Rodrigo Valadares (União – SE), propunha anistia para “todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional do dia 30 de outubro de 2022 ao dia de entrada em vigor dessa lei, nas condições que especifica”. Por esse texto, a anistia alcançaria não somente os participantes dos ataques de oito de janeiro de 2023, mas, também, todos os réus e acusados de conspiração contra a democracia no Brasil, que não foram nem sequer condenados pela Justiça, inclusive o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. Mas, ao que tudo indica, novo texto terá de ser apresentado e aprovado pelos líderes. Mesmo assim, já foram obtidas 264 assinaturas para a tramitação em regime de urgência, número superior as 257 assinaturas necessárias. Foram elas:
- União – 40 de 59 deputados
- PP – 35 de 48 deputados
- PSD – 23 de 44 deputados
- Republicanos – 28 de 45 deputados
- MDB – 20 de 44 deputados
- PL- 90 de 92 deputados
- Avante – quatro de oito deputados
- Podemos – nove de 15 deputados
- PSDB- cinco de 13 deputados
- Cidadania – três de quatro deputados
- Novo – quatro de quatro deputados
- PRD- três de cinco deputados
Ora, se há por parte da maioria dos congressistas a percepção de excessos na dosimetria das penas, é plenamente cabível discutir e aprovar um projeto que mude a Lei nº 14.197/2021, redimensionando a extensão das penas e terminando com a cumulatividade dos crimes de golpe de Estado com a abolição violenta do Estado de Direito que, no fundo, são crimes conexos. Note-se que reformar uma Lei é atribuição do legislador. Perdoar crimes inafiançáveis é prática política de baixa qualidade, quando não inconstitucional. Os juristas aplicam a Lei aprovada pelo Congresso. Se a Lei foi mal feita, é excessiva, que se mude a Lei. E observe-se que a mudança da Lei poderia ter incidência imediata.
Nas palavras do ministro Luis Roberto Barroso, presidente do STF, “a anistia é perdão, e o que aconteceu no oito de janeiro é imperdoável.”
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
Leia também “Os erros do STF contra a Justiça do Trabalho”, de Maurício Rands.