Rogério é médico. Seis anos de faculdade. Outros dois de residência em oftalmologia. Aprendeu por lá que medicina é uma ciência. Que testes em laboratórios e estudos clínicos descobrem remédios e procedimentos que curam. Apesar de não ser um cientista, aprendeu também sobre os métodos científicos. Até ensaiou algumas pesquisas, só para entender fazendo.
Começou a trabalhar em hospitais na mesma época em que chegaram médicos cubanos. Havia de outros países também, mas para Rogério eram todos cubanos. Os achava estranhos. Não estudaram o mesmo que ele, como poderiam trabalhar ao seu lado? “Daqui a pouco, vão colocar xamãs trabalhando no nosso lugar!”, dizia. Foi para um aeroporto gritar coisas feias para os cubanos que chegavam.
Soube por grupos de WhatsApp que o Senado aprovara, em minutos, lei liberando importação e venda de fosfoetanolamina. Nunca tinha ouvido falar naquela droga. Pílula do câncer era o apelido da droga. Um remédio sem eficácia comprovada pela ciência, diziam os que entendiam do assunto.
Rogério sabe dos riscos de incentivar um monte de gente a tomar um remédio que não se sabe bem o que pode causar. Protestou nas redes. Chamou os políticos de assassinos e corruptos. Agiam como charlatões. Xamãs, que vendiam falsas esperanças para gente amedrontada pela morte. Uma vergonha!
Quando a pandemia começou, Rogério trabalhava em clínicas e no SUS. Também no WhatsApp e Facebook, como influenciador político de médicos e de gente que acha que entende de medicina. Com o fim do governo corrupto e a Lava-Jato, a saúde no Brasil finalmente melhoraria. Nada de cubanos. Nada de políticos dizendo qual remédio tomar!
Começou a medicar amigos que achavam que tinham Covid, pela amizade e para contar nas redes. Ouviu o presidente falar da Cloroquina e prescreveu. Uma, duas, dez vezes. Seus amigos melhoraram. Foi o suficiente para tornar-se um Cloroquiner.
Fez vídeos sobre como tratar Covid, mesmo não tendo se especializado nisso. Falou aos berros sobre a incompetência dos políticos que defendiam o isolamento e a covardia dos colegas de profissão que não prescreviam Cloroquina.
Pegou Covid não sabe como, apesar de não ter se isolado e quase não usar máscara na rua. Ficou mal. Na UTI, não tomou cloroquina. Nem discutiu o assunto. Recuperou-se quase sem sequelas. Sente que perdeu o olfato. Algumas comidas passaram a ter gosto de terra. Talvez, se tivessem usado a cloroquina, a Covid não lhe teria estragado a lasanha, pensou.
Ouviu falar de uma possível vacina. De Oxford. Governo bancando quase dois bilhões no seu desenvolvimento. Ninguém sabe se vai dar certo, mas promete bons resultados. Aplaudiu nas redes.
Viu também que uma vacina chinesa estava sendo desenvolvida no Brasil. Do mesmo jeito, só que chinesa. Absurdo! Aplaudiu quando o presidente disse que não colocaria um tostão em algo sem comprovação científica.
Comeu sua lasanha com gosto de terra pensando em tomar cloroquina novamente, só por precaução. Talvez lhe devolvesse o paladar. Não há nenhum indício científico de que isso possa acontecer, mas vai que…