Estamos diante da maior crise mundial dos tempos modernos, ela afeta o homem em todas as suas dimensões. Seria imprudente arriscar previsões sobre o depois, pois nos faltam referências sobre o futuro, por isso a incerteza ganha aspectos dramáticos. Uns tendem a subestimar e outros a ficar paralisados, exatamente quando a sociedade sente a necessidade de um líder capaz de ver um pouco além, e acima de tudo, fazer escolhas e convencer a sociedade.
No mundo, diante da falta de referências históricas e dos acontecimentos à beira do inexplicável há um estímulo ao surgimento de soluções dos mais diferentes matizes, como os mitos salvadores, que banalizam a inevitabilidade da morte em nome de objetivos obscuros e irrealizáveis, vendendo soluções sem aderência ao conhecimento e à ciência, cuja resultante será mais morte e destruição. E a obscuridade vem associada à imposição pela força e pelo medo, pois contraria o espírito de sobrevivência do homem.
O desafio no Brasil é controlar a pandemia, salvar vidas, garantir renda aos mais pobres e planejar como será a retomada da economia. Neste contexto, a primeira ação das lideranças é ganhar a sociedade para a urgência, a exemplo de Churchill na II Guerra Mundial. Lá o desafio era decidir se o país iria enfrentar a ameaça de invasão e domínio do seu território pela maior potência militar da época, a Alemanha nazista. Havia uma escolha a fazer: negociar a paz com a Alemanha, com a certeza de que seria em condições bastante desfavoráveis, ou ir à guerra, mesmo sabendo que do outro lado estava o potente exército alemão. Neville Chamberlain, acreditando ou não, defendeu um acordo com Hitler, como se esta fosse uma alternativa viável para evitar a guerra. Usava do senso comum, como se os outros quisessem a guerra e ele, apenas ele, a paz. A escolha da sociedade britânica foi seguir Churchill, mesmo ciente de sua única promessa: “sangue, suor e lágrimas”. O país saiu unido para o incrível esforço de guerra.
A liderança na Inglaterra fez com que a indústria continuasse funcionando a pleno vapor e apesar dos bombardeios alemães, convenceu os empresários a reconverterem suas indústrias para produzir o que as forças armadas precisavam. E não parou aí, na falta de homens para o trabalho, convocou as mulheres.
Sem muito esforço é possível listar as principais urgências para o combate à pandemia no Brasil: mais leitos hospitalares, mais leitos de UTIs, mais respiradores, mais equipamentos de proteção individual aos trabalhadores da saúde, testes confiáveis e um sistema eficaz de informações. Com essa relação na mão, o líder poderia dedicar seu tempo para mobilizar a máquina pública à compra do necessário no menor prazo possível; se reuniria com os empresários para que fizessem uma rápida conversão de suas plantas industriais para a produção do que é mais urgente. Ao mesmo tempo, deveria estar inundando de recursos os centros de pesquisa. Com agilidade, deixaria seus confortáveis palácios e iria buscar os equipamentos médicos, onde estivessem. No plano político, sua missão seria unir forças em torno do combate ao vírus inimigo, sem outra meta que não a de reduzir a mortalidade.
Churchill fez mais, e não satisfeito em ficar apenas na mobilização dos britânicos, passou a pressionar os Estados Unidos para seu ingresso na guerra, de imediato para garantir armas, equipamentos, suprimentos, depois para trazer soldados ao campo de batalha europeu. Enquanto Hitler invadia a Europa, Churchill saiu da 10 Downing Street e passou dias cruzando o Atlântico para assegurar o apoio do governo americano, mesmo sabendo da forte oposição à participação daquele país na guerra. Em movimento simultâneo, aliou-se com seu inimigo estratégico, a URSS socialista, mesmo sabendo que teria que lidar com ele depois. Mas primeiro, quis garantir que haveria um depois.
No inverno de 1952, quando Churchill cumpria seu segundo mandato como primeiro-ministro, Londres viveu o Big Smog, um espesso nevoeiro tóxico, que causou a morte de mais de 4 mil pessoas em uma semana, e mais de 8 mil nas semanas seguintes, a maioria causadas por infecção respiratória e asfixia decorrente de obstrução das vias respiratórias por partículas poluentes.
Churchill vivia um momento político muito desfavorável e tentou reduzir o problema: – “Fog is Fog (…) é consequência da vontade de Deus (…)”. Não demorou, e passou a escutar a sociedade. Recursos foram direcionados à saúde e novamente a população foi mobilizada para resolver o problema.
A história está repleta de líderes que souberam exercer seu papel diante de crises. Vargas é um deles. No pós-crise de 1929, decidiu queimar café para evitar a queda do preço internacional. Roosevelt é outro exemplo, que diante da crise de 1929 teve coragem de defender o gasto público para gerar emprego e renda. No texto, escolhemos Churchill, não para fazer um elogio a ele, mas para lamentar a omissão da liderança presidencial brasileira diante da pandemia.