O escritor Bernardo de Carvalho numa recente entrevista fez uma aguda observação: “você pensa que usa a internet, mas na verdade é ela que está usando você”.
O personagem principal de seu romance Reprodução (Companhia das Letras, 2013), um chinês viciado em sites, reproduz uma enorme quantidade de informações, de amplo espectro, desconexas, sobre múltiplos temas que ele conhece e entende superficialmente. Na verdade, o personagem tem um discurso que pode soar lógico, mas é contraditório, racista, homofóbico, antissemita, no qual tudo se mistura, tudo é opaco. O personagem é bombardeado por um vasto volume de informações e não tem condições de fazer a necessária filtragem crítica. É uma vítima, apenas reproduz, não cria. O resultado é que na ambiguidade da interação online, na qual todos os absurdos são ditos e difundidos, as pessoas têm opinião contundente e definitiva sobre qualquer coisa. O resultado é um desastre: a internet estimula o narcisismo, invade a privacidade, as pessoas se sentem importantes, celebridades. Pura ilusão, a imensa maioria apenas expõe o seu vazio, sua vulgaridade, sua pouca ou nula importância.
A formação de um padrão médio, standard, com milhares e milhares de seguidores, multiplica a autossuficiência da ignorância, consolida o sentimento de rebanho. A aglomeração virtual potencializa a confiança de um sem número de pessoas que sabe muito pouco sobre quase nada, mas se acha em condições de opinar sobre tudo. A ação coletiva que ela estimula, sem reflexão lúcida, profunda, é um ingrediente da violência fascista.
Carvalho comenta as manifestações de 2013. Afirma que elas revelaram um forte sentimento de insatisfação de significativas parcelas da população. Foram surpreendentes porque brotaram repentinamente, do nada, sem organicidade, sem o respaldo dos movimentos populares ou dos sindicatos, não tinham matiz ideológico definido. É verdade que foi dada especial ênfase às denúncias de corrupção, com clara influência da grande mídia, que reforçou a cruzada antipetista iniciada em 2005. Num ponto há consenso: o fundamental e inequívoco papel da internet na convocação e organização dos movimentos.
A lúcida entrevista de Bernardo Carvalho me lembrou dos dons proféticos do filósofo espanhol Ortega y Gasset. Noventa anos atrás, sua obra maior A rebelião das massas caracterizou o perfil do personagem que hoje ganha força, fortalecido pela internet. Ele integra uma maioria sem raízes, repleta de apetites, um ser esvaziado, vulgar e que tem a coragem de afirmar sua vulgaridade. Ele é um cego no cosmos, beneficiado pelo avanço significativo da extraordinária evolução tecnológica ocorrida nos dois séculos anteriores que, apesar da desigualdade do capitalismo, melhorou a base material, o padrão de vida de milhões e milhões de pessoas. Eles querem virar protagonistas, intervêm em tudo de forma não qualificada.
O revés do socialismo real foi um duro golpe na utopia de construção de uma sociedade melhor, mais igualitária, mais justa. A consolidação da hegemonia brutal de um capitalismo financeiro global, que concentra cada vez mais a renda e a riqueza, desconstrói o estado e suas políticas sociais, destrói a consciência cidadã, favorece e multiplica o exército dos homens-massa. Fortalecidos, eles perambulam por aí, bárbaros que destroem a civilização, armados de uma poderosa arma letal: a internet, com o Facebook e suas redes sociais.