Os faniquitos do mercado financeiro

É importante entender minimamente a questão dos juros (Selic) e da taxa de câmbio no Brasil. Grande quantidade de besteiras e de fake news tem sido ditas ultimamente, impunemente, sobre o assunto.

Comecemos pela questão da taxa de câmbio. Como funciona o mercado de câmbio? As compras e vendas de dólares são feitas sob a supervisão do Banco Central do Brasil, através da celebração de contratos de câmbio. Todos eles têm uma finalidade: importação, exportação, amortizações, juros, serviços, transferências do e para o exterior, etc. A composição de tais rubricas constam da contabilidade do nosso Balanço de Pagamentos. E por que a taxa de câmbio oscila? Por força da oferta e demanda por divisas. E que rubricas têm mais influência sobre a taxa de câmbio? Evidentemente, no Brasil, as exportações, importações e as transações no âmbito da conta corrente são, de longe, as mais relevantes. E tais grandezas justificam uma taxa de câmbio equilibrada, sem grandes oscilações. As exportações continuam crescendo, as importações estão equilibradas, os investimentos diretos estrangeiros historicamente são suficientes para cobrir o déficit em transações correntes e o equilíbrio do Balanço de Pagamentos. E isso sem falar de reservas que se elevam a USD 350 bilhões. Note-se que até o fechamento de junho/24, o fluxo cambial do Brasil foi positivo em US$ 11,630 bilhões e o Ibovespa estava na casa dos 125 mil pontos.

O canal financeiro acumulou saída líquida de US$ 30,907 bilhões, com aportes de US$ 292,983 bilhões e retirada de US$ 323,890 bilhões. O segmento reúne os investimentos estrangeiros diretos e em carteira, remessas de lucro e pagamento de juros, entre outras operações.

O saldo do comércio exterior foi positivo em US$ 42,537 bilhões em 2024, com importações de US$ 115,940 bilhões e exportações de US$ 158,476 bilhões.

Então, por que razão a taxa de câmbio tem oscilado tanto? Com certeza, em virtude dos ataques especulativos promovidos pela plutocracia rentista. Postergação deliberada de fechamentos de câmbio, saída de capital golondrina em direção aos títulos do tesouro americano (treasuries), transferências para a rubrica disponibilidades no exterior e prestidigitação nos mercados futuros dos juros e do dólar. Tais movimentos poderiam ser amortecidos por intervenções do Banco Central do Brasil que, inadvertidamente, não foram feitas. Pelos dados existentes, não há nenhuma razão econômica para a acentuada desvalorização do real em relação ao dólar norte-americano. Trata-se exclusivamente de especulação financeira, com o beneplácito do Bacen.

Passemos agora aos juros e ao tão propalado déficit fiscal primário. No Brasil, diferentemente dos EUA, o Banco Central do Brasil não pode determinar, intervir ou ancorar a estrutura a termo da taxa de juros. Ele só pode definir a taxa Selic a cada 45 dias. A curva de juros futuros é determinada pelo mercado financeiro. Já passou da hora de se reavaliar essa proibição e liberar o Banco Central do Brasil para poder criar dinheiro digitalmente sob a forma de reservas do Bacen. Com isso, o Bacen passaria a controlar a taxa fixada no mercado interbancário, reduzindo-se a manipulação do mercado sobre a estrutura a termo da curva de juros brasileira.

No estoque da dívida pública federal estão incluídas as operações compromissadas que em 30 de junho de 2024 eram de aproximadamente R$ 1,2 trilhão (18% da dívida pública federal de R$ 6,63 trilhões). E, pasmem, elas não estão sob a gestão da dívida pública federal a cargo da Secretaria do Tesouro Nacional. Elas envolvem a compra e venda de títulos públicos com um compromisso de recompra ou revenda em uma data futura, geralmente de curto prazo e servem como instrumentos de política monetária usados para gerir a liquidez e as taxas de juros fixadas no mercado interbancário, com prazos muito curtos e objetivos específicos (repurchase agreement ou repo e reverse repurchase agreement ou reverse repo). Assim, tais operações nada têm a ver com o financiamento do déficit público e, portanto, não deveriam ser registradas como dívida pública federal. Trata-se de um contrassenso, pois seu uso como instrumento de política monetária revela sua natureza monetária e não fiscal. Sendo assim, de fato, a dívida pública federal é, na verdade, muito inferior aos 74% do PIB, como é alardeado pelo mercado e meios de comunicação a ele associados.

Nos EUA, tais operações existem de forma muito transparente e não são registradas como dívida pública federal. No Brasil, elas são incluídas no cômputo da dívida pública, apesar de ficarem à margem da gestão da dívida pública federal a cargo da Secretaria do Tesouro Nacional.

É um absurdo o que recentemente aconteceu no Brasil. Ataques periféricos do mercado financeiro forçando a desvalorização do real, com vista grossa do Bacen, que demonstrou que são eles, reis do faniquito, quem efetivamente mandam no Banco Central do Brasil.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
Leia também “A ética do servidor público e a autonomia do Banco Central“, de Antonio Prado.