O Brasil precisa saber identificar e usar a seu favor o positivo e o negativo da política econômica conhecida como Trumponomics.
As organizações multilaterais no âmbito da ONU, o G7, o G20, dentre outras, perderam espaço decisório e regulatório. Alguns países como EUA, Rússia e China têm poder de veto sobre decisões consensuais de centenas de países, cujas opiniões passam a não valer nada. Quando não vetam, boicotam a implementação das decisões. Atualmente, é quase impossível chegar a um consenso num mundo polarizado como o nosso.
Os alertas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contra o protecionismo que distorce as cadeias de suprimento, prejudica o comércio global e o crescimento dos países, não reverberam nada nas principais economias do mundo.
O mesmo acontece com os Acordos de Proteção do Meio Ambiente. Em breve os EUA sairão de novo do Acordo de Paris, o que esvazia de forma contundente as ações dos países que querem verdadeiramente inibir as mudanças climáticas tão deletérias ao planeta.
As legislações nacionais de regulação das redes sociais (big techs) no tocante aos conteúdos publicados coibindo fake news e ideias desestabilizadoras da democracia, mensagens corruptoras da juventude, xenofobia, racismo, homofobia, LGBTfobia, etc. já começam a enfrentar dificuldades imprevistas nos diversos parlamentos, fruto da recente eleição de Trump para o governo dos EUA e ao conservadorismo que assola o planeta.
As grandes plataformas de rede sociais (Facebook, X, Instagram, etc.) já começaram a retirar do seu dia a dia a checagem das informações (fact check), bastando declarações que confirmem a qualidade das postagens. Ou seja, ocorreu o “liberou geral”, em prol da “liberdade de expressão” que os EUA apregoam, sob o argumento de que qualquer regulação representaria a institucionalização da censura. E não deverá causar estranheza se os EUA retaliarem os países que obrigarem as empresas americanas a cumprirem as legislações nacionais, a exemplo do que aconteceu recentemente aqui no Brasil no affair STF versus X.
É urgente, portanto, que o Brasil retome a discussão sobre o marco civil da internet, que a Câmara dos Deputados empurrou para debaixo do tapete. O tema está agora nas mãos do STF que terá a responsabilidade de regular o assunto, a exemplo do que já aconteceu na Europa e na Austrália. É indispensável que o STF imponha freios e não se deixe levar pelo lobby das big techs, deixando claro para o mundo que o Brasil não é terra sem lei.
Em recente Relatório de autoria de Ian Bremmer e Cliff Kupchan, da Consultoria Eurasia Group, intitulado “Top Risks 2025”, de 6/1/25, a consultoria constata que o déficit de liderança global (apelidado de “G – Zero”) avança no planeta coincidentemente com a troca de comando e de diretrizes nos Estados Unidos. Acabou a ideia de um grupo de países que atuariam como garantidores do equilíbrio mundial?
Donald Trump vem com muita força para o seu segundo mandato. Teve expressiva maioria dos votos populares. Agora, lidera de fato o Partido Republicano, tem maioria no Senado, expressivos votos na Câmara dos Deputados, maioria na Suprema Corte e conta com a simpatia dos inúmeros países que retomam a ideologia de extrema direita no mundo.
Sua agenda deve contemplar protecionismo comercial, restrições imigratórias e cortes de impostos. Além disso, volta a filosofia do big stick na qual os EUA agem como xerife do mundo, mudando o nome do Golfo do México, propondo a anexação do Canal do Panamá e da Groelândia, sugerindo ao Canadá que se torne o 51º estado dos EUA, prometendo taxar os produtos chineses com a alíquota de 60%, informando que terminará com as guerras, sancionando seus opositores, reduzindo regulamentação e impostos dos mais ricos, deportando em massa imigrantes ilegais, etc. As relações internacionais serão mais conflituosas com aqueles países que não se subjugarem ao Big Stick (Rússia, Irã, etc.), o empobrecimento do planeta, a utilização da IA sem regulamentação, inclusive na área militar, impasse no acordo econômico EUA – Canadá – México, predominância do unilateralismo e antiglobalismo, esvaziamento da ONU e OTAN, expurgos de quadros democratas e liberais do governo dos EUA, enfraquecimento do estado de direito, além de muita imprevisibilidade.
Tais políticas tendem a gerar mais inflação na economia americana, fortalecer o dólar e reduzir a capacidade do Federal Reserve de cortar juros ao longo de 2025.
Com a agenda “Trumponomics”, crescem os riscos de ruptura com a China (comercial e geopolítico), trazendo mais insegurança para os países emergentes. Por essas e outras razões, as pressões geopolíticas e econômicas serão bem significativas para o Brasil em 2025.
São listados a seguir alguns prováveis impactos no Brasil dos temas acima citados:
- com uma inflação americana mais alta e um dólar valorizado, o real pode se desvalorizar ainda mais, alimentando pressões inflacionárias e reduzindo a capacidade do Banco Central de reduzir os juros após o ciclo de aperto monetário.
- na sua liderança rotatória dos BRICS, qualquer movimento que o Brasil venha a fazer em desafio à dominância do dólar, pode provocar ações retaliatórias por parte dos EUA.
- a falta de um canal diplomático robusto Brasil – EUA pode prejudicar o engajamento bilateral.
- medidas judiciais contra Bolsonaro e seus comparsas podem ensejar reações adversas dos EUA no campo comercial, mesmo porque Trump tenciona dar indulto aos americanos que participaram dos atos antidemocráticos no Capitólio.
O Brasil pode e deve se concentrar nos aspectos positivos das externalidades do Trumponomics, quais sejam:
- reforçar a pauta de substituição energética.
- aproveitar-se dos insumos chineses mais baratos, reduzindo a inflação.
- efetuar maiores exportações agrícolas para a China.
- aproveitar-se da necessidade de segurança alimentar e energética de diversos países, buscando satisfazer novas cadeias de produção e/ou se expandir para mercados consumidores emergentes. Não é coincidência a Europa voltar a querer avançar no acordo com o Mercosul.
- possibilidade de maiores investimentos de empresas multinacionais que decidam sair do âmbito do Acordo EUA-México-Canadá.
Em vista de todos os riscos elencados, o Brasil deve buscar blindagem econômica para o seu processo de desenvolvimento sustentável. Para tanto, é necessário revisar suas leis cambiais, sua meta de inflação, promover políticas de estoques mínimos para o abastecimento dos consumidores, aprovar o marco civil da internet e valorizar o equilíbrio fiscal, priorizando e calibrando seus gastos e investimentos.
***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
Clique aqui para artigos do autor.