A pouco mais de um ano das eleições presidenciais, estamos diante de um bangue-bangue generalizado de insultos e acusações. No palco desse faroeste eleitoral, o termo fascista segue invicto na preferência de xingamentos daqueles que se declaram contra Bolsonaro. O dedo apontado na direção dos arrependidos por terem apertado 17 ou mesmo àqueles que anularam seu voto, já está ficando com cãibra tamanha a insistência. Mas será que do ponto de vista estratégico da comunicação essa agressividade tem alguma eficácia para virar o jogo político e vencer a possível reeleição do atual presidente?

Um retrato do cenário atual

Estamos fragmentados em três grandes blocos: 1/3 pró Bolsonaro, outro 1/3 que votaria em Lula, nos partidos de esquerda e aliados e os 40% restantes que são aqueles que votaram em Bolsonaro porque acreditavam nele; também os que votaram porque não queriam a continuidade de um governo petista; e os que votaram porque votaram, sem um motivo específico. No primeiro turno das eleições do ano que vem, uma parcela desses 40% ainda não decidiu se vai votar na oposição ou no presidente. Esses tendem a anular ou não votar. Mas há uma outra turma, também dentro dos 40%, que está decidida a votar na oposição, mas não em Lula. São os Nem Nem (Nem Bolsonaro, nem Lula). O cenário se complica porque as pesquisas mostram um provável segundo turno entre Bolsonaro e Lula e nesse caso, os Nem Nem seguem indecisos, não sabem se nessa sinuca de bico, votariam em Lula.

O objetivo de ganhar os eleitores que compõem esses 40% para derrotar Bolsonaro não tem sido bem sucedido. O discurso precisa ser lapidado, pois ao invés de ampliar, tem jogado muitos nos braços bolsonaristas. Portanto, este artigo se dirige principalmente à esquerda e àqueles que votarão em Lula ou em qualquer candidato que não Bolsonaro. Para virar esse jogo, a única saída é em primeiro lugar, convencer uma parte significativa dos 40% a não votar em Bolsonaro. Depois, é preciso persuadi-los a votar em Lula ou em quem chegar na oposição.

Aliança robusta

Muito se fala em frente ampla, a união da direita não bolsonarista, do centro e das esquerdas para derrotar a barbárie. A imagem é bonita e sem dúvida, o movimento deve partir nessa direção, porém não se pode ignorar que de nada adianta tanto esforço se o discurso aqui, na rua e no Facebook não ficar bem afinadinho. Convenhamos, do que vale uma bela melodia se o cantor desafina?

É interessante visualizar o discurso político como uma forma de arte. E quando se trata de uma eleição presidencial fragmentada em polos tão antagônicos, o discurso exige uma sofisticação artística tal qual uma composição musical. Cada arranjo, as notas, o ritmo e finalmente, a letra. Não se compõe uma boa música sem as palavras certas para os ouvidos. É com esse espírito que as forças de oposição ao governo, especialmente as esquerdas, devem se concentrar para organizar a bagunça e ter alguma chance de sair da UTI e derrubar Bolsonaro.

A comunicação é um instrumento poderoso, mas se mal utilizada pode ser devastadora. Então vamos aos símbolos. Se o momento pede uma frente ampla, isso se traduz em união, simbolizada por uma robusta aliança, o oposto da fragmentação presente. Como em toda guerra, o lado vencido acumula perdas e cacos espalhados. Pois chegou a hora de juntar os cacos. Talvez para alguns a ficha ainda não tenha caído, mas a guerra já acabou. Todos que hoje estão contra Bolsonaro são os derrotados dessa batalha e estão no mesmo lado da trincheira, ainda que em algum momento da luta estivessem no lado de lá. Não importa se A votou no dito cujo, se B anulou, se C gritou fora Dilma, agora estão todos destroçados, enfraquecidos e o alfabeto precisa ficar completo de novo. Portanto, é hora de recolher as munições, baixar a guarda. Superar os rancores.

Chiclete grudado

Vale dar atenção especial a alguns termos e expressões exaltadas com obstinação por ambos os lados e que de tão exploradas ganharam uma roupagem pejorativa que apenas serve para distanciar ainda mais as letras desse abecedário. É exatamente o que acontece quando a esquerda insiste em inflamar o impeachment de Dilma Rousseff referindo-se a um golpe institucional. Tal conceito grudou como chiclete na mente, na língua e no WhatsApp da esquerda brasileira. Se foi um golpe do Cunha, do Aécio, do Temer, do Moro, nada disso importa mais e se a estratégia é aglutinar forças, seria interessante que toda pujança da palavra golpe fosse canalizada a apenas um personagem que aliás, é o dono de fato deste termo, o atual presidente.

O mesmo ocorre com o termo presidenta. E aí não está em questão o aspecto linguístico, já que a flexão de gênero neste caso é aceita pelos dicionários Aurélio e Houaiss, mas sim, o peso político da palavra. Por um lado, é mais do que sabido que Dilma e seus apoiadores têm preferência pessoal por presidenta. Por outro lado, a mídia corporativa de modo geral, não alterou seus manuais de redação e manteve a forma sem a flexão de gênero, referindo-se, portanto, à presidente, o que também está correto. O uso exaustivo de presidenta acabou por estigmatizar o discurso. Seja de onde vier, se aparecer na mensagem um presidenta, aquele que hoje não é e obviamente nunca foi pró Dilma vai fechar os ouvidos ou desistir da leitura no meio do texto. A chance de diálogo se encerra imediatamente.

Já os famosos fascista, minion, gado e também, comunista, esquerdopata, mortadela são palavras já cansadas, que imploram diariamente para serem esquecidas, já deu. Na verdade, não deu, porque agressões não dão em nada.

“Desavermelhar” o debate

No campo das ideias, a estratégia também vai de encontro com o plano de filtrar mais a narrativa. O antipetismo permanece no ar e essa é a principal arma do adversário. Nesse quesito, os Nem Nem são o alvo mais valioso da comunicação. Se o discurso gaguejar, eles viram a casaca.

Nesse cálculo político é fundamental desanuviar o clima e debilitar o antipetismo, evitando “avermelhar” o debate. Um bom exemplo é o termo sindicalismo e suas pautas. É claro que os sindicatos são ferramenta fundamental para a proteção dos trabalhadores, mas é um tema que desperta uma rejeição quase que automática em setores importantes da sociedade, os quais precisamos cooptar para o lado de cá. O mesmo serve para as pautas identitárias, que têm imensa relevância, só que mais dividem do que somam, infelizmente.

Atacar o liberalismo econômico com unhas e dentes é mais um pecado que não casa com o momento de união. Tudo isso é assunto pra mais tarde. É a famosa “DR” – sigla usada como gíria para “discutir a relação”. Primeiro é preciso existir a relação, amarrar os laços, construir um acordo de confiança. Depois nós acertamos as diferenças.

Num jogo de sedução, aquele que mede bem as palavras, no final será possivelmente, quem ganhará a conquista. O destempero perde sempre, não tem charme algum. Estamos a apenas 16 meses da eleição, e continuamos aprisionados em exaltações vazias, sem nenhum legado positivo. Portanto, é hora de esfriar o calor desse debate político, neutralizar. Serenidade é fundamental para limpar a lama espalhada e articular com perspicácia e elegância um afago conciliador.

É hora de acolher e conectar os 70%. Sim, nós somos 70%! E não somos inimigos. O inimigo é um só. Um único homem, que se diverte diariamente com nossas picuinhas e trapalhadas, enquanto assiste indiferente no conforto do Palácio do Alvorada, meio milhão de mortes que poderiam ter sido evitadas, isso sim, vale enfatizar e grudar na língua como chiclete. A defesa da vida é o que nos une. Essa é a nossa robusta aliança.

***

Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.