O mercado de trabalho fluminense, em linha com o observado em nível nacional, havia apresentado recuperação em fins de 2019, mas passou a reagir negativamente no primeiro trimestre de 2020 devido aos efeitos defasados da redução da atividade econômica. Apesar dos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) terem sido favoráveis na comparação com o terceiro trimestre de 2019, devido ao consumo das famílias e ao investimento pelo lado da demanda e para todos os setores econômicos pelo lado da oferta, no quarto trimestre de 2019 apenas o consumo (famílias e governo) foi positivo pelo lado da demanda, enquanto se mantiveram taxas positivas nos três setores no lado da oferta. Entretanto, ao longo do ano anterior já se observava redução do nível de atividade econômica – medida pelas variações anuais mensais do Índice de atividade econômica do Banco Central (IBC-Br) -, sinalizando enfraquecimento nas taxas de crescimento que se reverteria para o terreno negativo ao longo desse ano, caso não houvesse algo que sustasse a tendência.

Considerando-se o cenário existente no final de 2019, cabe considerar que o resultado observado no PIB do primeiro trimestre deste ano de queda de 0,3% ante seu homônimo em 2019 (-1,5% ante o 4º trimestre de 2019), já estava “contratado” se considerada a desaceleração da atividade econômica mencionada anteriormente, e que se realizou nos resultados negativos dos setores de atividade com maior participação no produto (Indústria e Serviços). Levando-se em conta que as ações de combate à pandemia do coronavírus se manifestaram mais claramente na segunda quinzena de março, há uma diferença entre o contágio econômico negativo das expectativas de seus efeitos e a transmissão viral da Covid-19, sendo o primeiro mais rápido (em fevereiro no setor Serviços, por exemplo) e dissociado do segundo, ainda mais se considerado que as medidas caracterizadas como de saúde pública (distanciamento social e demais) tornaram-se mais efetivas no fim do trimestre e começo do seguinte.

Resta, portanto, que a influência da pandemia veio agravar o quadro de desaceleração da atividade econômica que já estava em curso, e a magnitude negativa de seus efeitos sobre o mercado de trabalho brasileiro e fluminense em particular se dará segundo suas especificidades, mas em termos gerais, são esperados impactos comuns em todos os espaços. Tais efeitos podem ser resumidos, segundo a OIT, nos seguintes aspectos: na quantidade de emprego (tanto em matéria de desemprego como de subemprego); na qualidade do trabalho (com respeito aos salários e o acesso à proteção social); e nos grupos específicos mais vulneráveis frente às consequências adversas no mercado de trabalho.

Dadas as questões pontuadas pela OIT, os efeitos da pandemia no mercado de trabalho fluminense não ficam muito claros pela defasagem na divulgação das informações, uma vez que o levantamento mais abrangente propiciado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) para Unidades da Federação é trimestral e publicado dois meses após o fim do trimestre. No entanto, e apesar de os indicadores ainda não expressarem de maneira plena os efeitos da pandemia, é útil expor sua evolução pregressa no tocante às mudanças decorrentes da recessão de 2015-2016 e à crise econômica que a sucedeu, agravada pela reforma trabalhista de 2017, bem como da crise política fluminense ainda em curso.

Podemos perceber os seguintes pontos a partir dos indicadores do primeiro trimestre de 2020:

  1. observou-se a virtual estagnação na quantidade de pessoas ocupadas, mas com preocupante elevação do contingente de subocupados que passou a crescer a partir da reforma trabalhista de 2017;
  2. houve afastamento do mercado de trabalho por parte do trabalhador;
  3. o rendimento médio real apresentou crescimento, mas a redução de jornada e salários proposta para a preservação dos empregos e redução dos custos empresariais virá reduzi-los;
  4. havia cerca de 7,3 milhões de pessoas que não contavam com assistência social decorrente do trabalho, quase metade das pessoas em idade de trabalhar, mostrando que a vulnerabilidade da força de trabalho já estava se elevando antes do estabelecimento das medidas de enfrentamento da pandemia, e tenderá a crescer.

Uma vez que as informações relativas ao segundo trimestre só serão divulgadas dois meses após o seu término, buscou-se avaliar de maneira parcial a evolução do mercado de trabalho fluminense a partir de registros administrativos disponibilizados mensalmente e alusivos a relações formais de trabalho, tais como o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) e o Seguro-desemprego, com dados para abril e maio de 2020, respectivamente. Para fins de visualização utilizou-se a comparação interanual, e a evolução consta da Figura 1.

Figura 1 – Variações interanuais do estoque do CAGED e da quantidade de requerentes do Seguro-desemprego.

O estoque do CAGED de março de 2020 apontou queda (-0,6%) que se aprofundou em abril (-3,3%), com desempenho parecido ao que apresentou na recessão econômica e na crise que a sucedeu, e as solicitações de Seguro-desemprego a partir de março até maio aumentaram sucessivamente até alcançarem níveis nunca antes observados: +7,0%, +36,5% e +66,9%, respectivamente. Ambos os indicadores demonstram que as empresas optaram em março de 2020 pela dispensa de trabalhadores sem aguardar as ações de enfrentamento que eram discutidas, prenunciando resultados mais negativos na PNADC do segundo trimestre.

Em vista dos impactos esperados com o estabelecimento da pandemia e com o propósito de apontar caminhos para o seu enfrentamento com base nas experiências de países que já encaravam os seus efeitos, a OIT menciona que uma menor intensidade de impactos se estabelecerá se as decisões políticas se basearem em ações precedentes e supervenientes, tais como:

  • prioritariamente, a proteção dos trabalhadores e suas famílias frente a uma possível infecção, bem como garantir a proteção das pessoas suscetíveis de perder sua renda por infecção ou redução da atividade econômica, tendo em vista a retomada econômica;
  • posterior e imediatamente, esforços políticos coordenados em todas as instâncias para fomentar o emprego e a renda dos trabalhadores, bem como a economia em geral e a demanda de trabalho em particular no curto prazo, com o propósito de minimizar a queda no consumo e a recessão iminente;
  • tempestivamente, políticas fiscais com vistas à proteção social dos trabalhadores, apoio financeiro para setores específicos e às pequenas e médias empresas, e política monetária flexível;
  • de maneira superveniente, planejar a continuidade e recuperação da atividade empresarial ante um ambiente incerto e desconhecido, com gestão do risco dos negócios e proteção dos empregos.

A julgar pelas medidas adotadas no Brasil desde o início da pandemia, as decisões políticas apontadas pela OIT com o propósito de minimizar os efeitos carecem de efetividade e tempestividade, sendo tímidas, lentas ou inexistentes ante a urgência requerida. Tal situação deriva, em grande medida, da dificuldade de interação entre o governo federal e os demais níveis governamentais subnacionais, no tocante à natureza do problema e quanto às medidas necessárias para seu enfrentamento. Assim, o resultado esperado será o desdobramento do que tem sido visto diuturnamente: descaso com a vida humana, perda de empregos, fechamento de empresas e maior desigualdade social.