Com seu compromisso com cortes de impostos e desregulamentação, Donald Trump parece o real sonho neoliberal na prática. Mas, desde a aquisição de uma participação de 10% na Intel até permitir que a Nvidia e a AMD vendam seus chips para a China em troca de um corte de 15%, algumas das ações recentes do governo Trump convidaram a comparações com políticas do capitalismo de Estado – o oposto da proposta neoliberal.

A doutrina econômica de Donald Trump desafia a categorização fácil. Grande parte de sua agenda, como cortar impostos para os mais ricos, desregulamentar os mercados e defender a administração dos Estados Unidos como um negócio cheira a neoliberalismo. Mas várias de suas políticas e as concepções que as governam equivalem a uma ruptura decisiva com o manual neoliberal convencional.

No coração do neoliberalismo está uma fé implícita nos mercados. A mão invisível que supostamente aloca recursos com a máxima eficiência. Trump parece ver o mercado mais como uma plataforma de negociação, onde ele divulga a sua mão visível, do que como um alocador autônomo das dotações da sociedade.

O neoliberalismo também é um projeto explicitamente globalista, alimentado pelo livre comércio. O mantra nacionalista “America First” e a imposição unilateral de barreiras comerciais estão completamente fora do escopo neoliberal.

Além disso, o neoliberalismo se baseia em regras sistematizadas, refletidas na ênfase de seus defensores na boa governança. Trump, com sua mão visível, quebra qualquer regra, norma ou promessa, reverte qualquer ação que tenha tomado e contradiz qualquer declaração que tenha feito em nome de “acordos” ad hoc no estilo corporativo.

Finalmente, o neoliberalismo nega o papel do Estado na economia, ignorando ou ocultando intervenções como resgates, subsídios e financiamento estatal de pesquisa e desenvolvimento. Trump torna essas intervenções do Estado como um atributo pessoal seu.

A posição de Trump é diferente de qualquer forma tradicional de capitalismo de Estado. Seja o Estado desenvolvimentista latino-americano, seja aquele do Sudeste da Ásia.  Enquanto a política econômica estatista é tipicamente baseada em um extenso planejamento tecnocrático, as políticas de Trump são erráticas, transacionais e míopes. Além disso, longe de buscar promover o ideal normativo de equidade amplamente compartilhada, Trump se dedica descaradamente a servir a si mesmo e a seus poderosos partidários.

Mais fundamentalmente, tanto o neoliberalismo quanto o estatismo tradicional são sustentados por objetivos intelectuais unificadores – eficiência e redistribuição, respectivamente. Ainda não está claro se a “Trumponomics” tem tal fundamento, ou se ele vê a economia como simplesmente outra arena para a guerra psicológica – assim como a política interna e a política externa.

A ameaça de geopolítica de perda da posição de liderança dos EUA levou a que assumisse uma posição extrema, motivado pela crença de que o controle da China sobre terras raras e minerais críticos, juntamente com sua capacidade de IA em rápido avanço, constituem um grave desafio de segurança nacional para os EUA. Trump usa as tarifas como um instrumento para reconstruir o domínio estratégico dos EUA, mas como essas tarifas também prejudicam as empresas americanas que importam insumos críticos, elas estimularam um resultado, que é o capitalismo das conexões políticas e pessoais, especialmente das Big Techs, se tornando a chave para a competitividade. É a base da política industrial de Trump que procura ter uma conexão com as tarifas e a pressão sobre o FED para reduzir as taxas de juros o que já ocorreu.

A política industrial não é neutra. Para ter sucesso, deve ser bem estruturada e ter objetivos claros. O governo Trump deve ser criticado não pela política industrial, mas sim pela forma como a implanta e em benefício de quem. A versão trumpista da política industrial é operada sem propósitos claros, intervenções sem coordenação e gastos sem estratégia. Isso significa que a política industrial não está estruturada para alcançar resultados estratégicos que tragam benefícios para a sociedade, mas para recompensar aliados, punir adversários e demonstrar a força presidencial.

Assumir participações acionárias em empresas de tecnologia, reduzir os lucros das vendas de chips e afirmar o controle sobre setores estratégicos pode parecer uma política ousada, mas é ad hoc e orientada por suas veleidades de empresário bem-sucedido.  O Estado governado por um dono de empresa.

Uma política industrial bem projetada e modelada tem como base não apenas socializar os riscos, mas também as recompensas. Nem todo investimento, seja público ou privado, realizado por um capitalista de risco, vai dar resultado positivo. Essa natureza do investimento em inovação industrial faz com que ele tenha que ser feito em carteira e não individualmente. Os resultados positivos devem ser usados para cobrir as perdas dos investimentos que não foram bem-sucedidos.

Trump está aproveitando o poder do Estado para resgatar corporações, beneficiar acionistas e acelerar a financeirização. Ele está tentando remover as principais condições da Lei de Chips e Ciência de 2022, aprovada no governo Biden, que exigia que as empresas que se beneficiassem de programas governamentais reinvestissem os lucros (em vez de usar o dinheiro do contribuinte para recompras de ações, que atingiram níveis recordes nos EUA) e para melhorar os salários e condições de vida dos trabalhadores. Enquanto isso, ele está desmantelando instituições críticas do Estado, como os Institutos Nacionais de Saúde.

Participações acionárias, investimento público e direção pública estratégica para o setor privado podem ser usados para apoiar o crescimento inclusivo, a transformação energética e a inovação. Tais medidas devem ser implantadas de forma coordenada e transparente, guiadas por um conjunto de objetivos claros, como acelerar a transição verde e, no processo, construir capacidade produtiva e gerar ganhos reais para trabalhadores e para a sociedade. Acima de tudo, requer um serviço público capaz e dinâmico, não um que seja encarado como um obstáculo e esteja em processo de desmantelamento por um Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), que suprema ironia, vai promover a ineficiência.

As políticas industriais de Trump não chegam nem perto de atender a esse padrão. Não há plano, nem alinhamento de instituições, nem investimento em capacidades. Isso resultará não em transformação, mas em caos, com o Estado cada vez mais capturado por interesses estreitos. Essa política levará à estagnação salarial, à desindustrialização e ao aumento da concentração de riqueza que foram as características marcantes que alimentaram a raiva pública contra o establishment que o levou ao poder.

O problema é que essas características ausentes da política industrial americana atual parecem estar presentes em muitas das novas políticas industriais lançadas depois da pandemia e que tentam ser bem-sucedidas, em um ambiente macroeconômico dominado por alta taxa de juros, ajuste fiscal, abertura da conta de capitais e tratamento isonômico entre capital e propriedade de capital estrangeiro e nacional. A história mostra que os poucos países que subiram a escada do desenvolvimento e da capacitação tecnológica alcançaram esses objetivos com prioridade ao capital nacional. O Sudeste da Ásia, onde esse processo ocorreu, mostra bem isso com os keiretsu e zaibatsu.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e Revisão: Celia Bartone
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