Saiu de casa tão tenso que por duas vezes apertou o botão errado do elevador. Pedro é daquelas pessoas que não gosta de botões. Usa o celular por necessidade apenas e limita-se ao básico. Tem medo de tocar em algum botão virtual errado e escangalhar a geringonça. Mal saiu do prédio e deu falta do título de eleitor. O porteiro sugeriu usar a versão digital, mas Pedro prefere o de papel plastificado. Voltou para pegá-lo.

A ida para a sessão de votação deveria ser uma caminhada tranquila, típica de uma manhã de feriado. Mas sua cabeça não o deixava relaxar. Estava cheia de preocupações sobre o voto. Ruminava temores quanto ao futuro de sua cidade enquanto driblava, na calçada estreita, cabos eleitorais armados de santinhos, adesivos e pedidos de voto para pessoas de rosto e expressões estranhas. Não dava para decidir algo tão importante assim daquele jeito. Não para Pedro.

Ficou perdido no local de votação, mas não queria pedir ajuda a ninguém. Não queria trocar palavra que fosse com ser humano algum. Preferia viver seu pequeno drama de alma completamente solitária, quieto enquanto seu corpo dava volume à multidão meio apressada, meio chateada e meio perdida como ele. Encontrou sua sessão e encarneirou-se na fila para votar.

Havia umas 30, talvez 40 pessoas à sua frente. Parecia muito para esperar. Também parecia pouco para decidir. Reparou nas pessoas em volta. Eleitores como ele. Conterrâneos, vizinhos, brasileiros como ele. Tão iguais a ele nas formalidades geográficas e, aparentemente, tão diferentes dele no espírito.

Nas conversas do entorno, a moça novinha dizia que iria votar em branco porque não tem candidato preto para ela votar. O gorducho grisalho com camisa da seleção brasileira e mau hálito anunciava, fazendo arminha, que votaria no único candidato conservador de verdade. O homem de camisa com gola e estampa de grife cara trazia no peito adesivo do candidato que se dizia liberal na economia e conservador nos costumes, mas que espalhava ideias anarquistas na economia e reacionárias nos costumes. Um garoto, quase no fim da fila, soltava vez ou outra o grito de um candidato que se travestia de caubói texano e pedia voto montado em um cavalo. Toda aquela poluição ideológica no aperto da fila causou uma estranha vertigem em Pedro.

Entrou na sala de votação ainda indeciso. Suando frio, entregou maquinalmente os documentos ao mesário que o olhava com indiferença. Precisou colocar o dedo na máquina para provar com a digital que ele era mesmo Pedro. Não funcionou. Tentou novamente. E outra. Definitivamente, Pedro não era bom de dedo. Registrou-se à moda antiga.

Pôs-se de pé em frente à urna eletrônica. Encarou os botões com as mãos para trás, como se quisesse prendê-las para evitar tocar nos botões errados e escangalhar o futuro. Agonizava ao pensar que a vida de sua cidade estava sujeita a ser entregue a gente da pior qualidade. Gente truculenta, desonesta, criminosa, pateta, ignorante, mentirosa. Gente do tipo de gente que qualquer mãe do seu tempo de criança dizia para o filho ficar longe. Hoje, os filhos adultos destas mães de ontem votam nos pilantras que deveriam ter aprendido evitar.

Sentiu-se solitário. Ruminando algum bom senso que só servia para lhe mostrar que vivia em um lugar repleto de gente sem noção. Sentiu-se idiota por preocupar-se com isso. Mas nenhum daqueles sentimentos foi capaz de fazê-lo apertar algum botão daquela urna. Ficou ali, paralisado pela expectativa de um futuro sem expectativas.

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Ilustração: Mihai Cauli 
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