Um quarto da população brasileira depende dele. Mais de 51 milhões de pessoas. Saúde Suplementar, setor estratégico que permite, entre outras coisas, manter o atendimento do Sistema Único de Saúde – SUS.

SUS, um dos mais eficientes, eu diria, sistemas de atendimento universalizado à população no mundo. Sem a Saúde Suplementar, seria quase inviável economicamente mantê-lo funcionando na qualidade atual, mesmo com suas deficiências. Para permitir que essa complementaridade se mantenha, é necessário fazer ajustes e evitar a inviabilização para grande parte dos usuários dos planos de saúde.

O Conselho Regional de Medicina de Pernambuco criou a primeira Câmara Temática do país para discutir o assunto. Representantes dos diferentes segmentos se fazem presentes: 18 participantes, desde profissionais da saúde, representantes de operadoras de Planos de Saúde e de administradoras de apólices dos planos, associações de profissionais envolvidos no tema, entre outros. Fui convidado para representar os usuários e lá me faço presente.

Com todas as reclamações dos grupos empresariais do setor, os resultados que o setor alcança têm sido muito significativos. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, o lucro líquido do setor no primeiro semestre de 2024 foi superior a 5,1 bilhões de reais, um aumento de mais de 250% em relação ao mesmo período de 2023. Uma fantástica recuperação dos dois anos de pandemia, 2021 e 2022, onde houve excesso de demanda e sinistralidade alta. Desse valor de 2024, 3,3 bilhões foram os lucros das operadoras médico-hospitalares, principalmente as de grande porte.

Nesse mercado, estratégico e fundamental para o país, faz-se importante entender como a ANS o regula e as características peculiares de seu funcionamento. Evidentemente que, num artigo como este, não pretendemos aprofundar a legislação, muito menos o modo operante que caracteriza o segmento, apenas alertar para questões que podem e devem ser enfrentadas para permitir uma melhor estruturação do segmento.

Nessa direção, fundamental entender as lógicas que motivam os usuários, as administradoras de apólices, os operadores dos planos e os profissionais envolvidos nos serviços prestados. Jamais pode ser um jogo de confronto, mas, como interessa a todos manter o sistema funcionando adequadamente, é fundamental procurar um entendimento que faça com que se chegue a acordos viáveis.

Do lado dos usuários, as dificuldades são enormes. Tenho procurado fazer um levantamento com aqueles a que tenho acesso. Um ponto crucial é a questão do preço.

Existem Planos Individuais ou Familiares e Coletivos, por Adesão ou Empresariais. A ANS regula apenas os planos individuais e familiares no que tange à taxa de reajuste. Tendo em vista esse aspecto regulatório, estes planos praticamente não são mais oferecidos. Quando são, têm preços impeditivos.

Nos planos coletivos, os reajustes são por negociação direta, que deve levar em consideração a sinistralidade e os custos operacionais. Acontece que os usuários são representados, em geral, pelas administradoras de apólices de seguro, as quais nem sempre conhecem as dificuldades reais do segmento.

Um simples levantamento dos aumentos dos últimos cinco anos, frente à inflação ou mesmo aos reajustes salariais médios conseguidos, mostra números astronômicos, nos Planos Coletivos, em desfavor dos usuários. Mostra a inviabilização crescente dos grupos existentes e a quase expulsão dos usuários dos planos.

Na tentativa de não perder participantes, são oferecidos novos planos, sempre coletivos, com os mesmos benefícios, sem carência, àqueles que interessam. No caso de idosos, um problema sério, pois seus custos aumentam e isto parece ser claro para as operadoras. Eles dificilmente recebem essas ofertas para migrar para planos a preços mais vantajosos com o mesmo atendimento.

Fico assustado ao ir a uma farmácia e pedir um remédio e ser notificado que terei um desconto por ter um determinado plano de saúde. Evidentemente, isso pode permitir, caso se tenha a informação, um mapeamento do perfil do individuo e consequentemente do potencial da sinistralidade, o que, além de invadir a privacidade, pode enfraquecer qualquer negociação.

Um problema sério é a possibilidade de desligamento dos idosos do plano. Dificilmente se encontrará um novo plano adequado que o aceite. Houve recentemente casos como esse em Pernambuco. Mesmo que a vida toda tenha contribuído e usado pouquíssimo o plano, isso não é levado em consideração. A judicialização dos casos tem sido o caminho, o que leva a desgastes e torna a relação sempre conflituosa.

Com esse quadro, é fundamental que a ANS participe do processo e defina um regramento que possa diminuir ou mesmo eliminar esses problemas. Definir um teto de reajuste para os planos coletivos pode ser fundamental; a participação do orçamento público para parcelas vulneráveis na medida em que é prioridade manter um bom funcionamento deste segmento prioritário para a população, seria outro bom caminho; deixar com a livre negociação atual, um desastre prenunciado.

Não se deve deixar de analisar os interesses empresariais também envolvidos. As contas têm que fechar, obviamente com margens de lucro bem menores que as atuais. Propor apenas legislações que onerem em muito o sistema, com uma visão populista, pouco ajuda.

Tem-se claro que a saúde passa por processos de modernização acelerados, o que onera o sistema bastante. Nessa direção, um sistema de financiamento que leve em consideração essa realidade faz-se necessário.

Além disso, é fundamental ter um modelo eficiente de evitar fraudes. Os exemplos são vários e constrangedores. Usos indevidos dos planos, superfaturamentos, cobranças de procedimentos e consultas inexistentes são usuais e oneram em demasia os grupos dos planos, aumentando em muito a taxa de sinistralidade e consequentemente os reajustes aplicados. Uma prática que deve ser combatida com muito rigor.

Ainda deve ser analisado o lado dos profissionais que trabalham no setor da saúde. Eles são fundamentais para manter a qualidade dos serviços. Nos últimos anos, muitos profissionais têm se desligado dos planos. Há alegações de remunerações não condizentes, além de que os planos não dão suporte com equipamentos e materiais adequados, o que leva a comprometer a qualidade dos procedimentos profissionais. Acordos têm sido tentados, nem sempre implantados. Uma mediação que não fragilize o atendimento faz-se necessária. Nessa, os Conselhos Regionais de Medicina passam a ter papel importantíssimo.

Enfim, este é um problema complexo, que exige soluções e propostas inventivas e elaboradas. Parabenizo o CREMEPE pela iniciativa.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  Revisão: Celia Bartone
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