A ideia forte que domina a mente da maioria dos empresários liberais no Brasil é o gigantismo do Estado. Essa é uma visão que perdura na história e pode ser considerada como um padrão estrutural da nossa formação econômica e social.

A obra clássica de Gerschenkron, datada de 1952, “Economic backwardness in historical perspective” mostra a intervenção estatal como um traço fundamental dos países de capitalismo tardio. Estados Unidos com Hamilton, Alemanha com List e Bismarck, Japão da era Meiji e a Coréia e a China, mais recentemente, comprovam esse padrão histórico.

No Brasil, os nossos empresários industriais sempre voltaram atrás na hora de avançar. Eles querem manter uma relação de extrema dependência com o Estado, mas não querem correr o risco de entrar na disputa industrial com os países mais fortes. É o valente que só bate em “bêbado” na linguagem do botequim. E o bêbado aqui é trabalhador brasileiro agora, como foi o escravo no século XIX.

Essa aliança espúria serviu para manter um cipoal de leis e regulamentos corporativos que só fizeram prolongar no tempo os incentivos fiscais e subsídios, que poderiam ser justificados em uma fase da industrialização, mas são mantidos permanentemente. No acordo por cima, em que não pode haver vencidos, nem vencedores, todos ganham e os trabalhadores perdem.

O que os nossos empresários liberais querem é uma modernização do Estado sem quebrar nenhum dos acordos que mantiveram essa base de sustentação do poder e sem ampliar os direitos sociais e econômicos da maioria da população.

A nossa elite empresarial aceitou um estado desenvolvimentista, mas sempre colocando limites à expansão desse apoio. Esse limite decorre da sua inapetência ao papel de empresário schumpeteriano ao ser profundamente antiestatal e altamente dependente do Estado. Nesse sentido, não existe uma elite prussiana no Brasil e, por conseguinte, nunca tivemos uma via prussiana no capitalismo brasileiro.

Podemos deixar de lado, devido ao espaço que temos para esse artigo, algumas semelhanças entre as questões da transição da sociedade agrária para industrial. Barrington Moore em seu trabalho seminal, “As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia”, fornece vários elementos importantes para essa discussão.

Os exemplos históricos da Alemanha e do Japão podem ajudar o nosso debate. O que nos interessa fundamentalmente é explicitar as características básicas que marcaram a transição para uma sociedade industrial nesses países:

  • Centro da acumulação na industrialização pesada e não na de bens de consumo;
  • A indústria surge na transição para a segunda revolução industrial com os setores intensivos em capital já nascendo oligopolistas/monopolistas;
  • Integração vertical e horizontal em suas cadeias produtivas e forte ligação com o capital financeiro que possibilitou essa articulação;
  • A geopolítica da época era marcada por forte competição entre os estados nacionais, competição imperialista e, portanto, a indústria bélica tinha um lugar preponderante.

No caso da Alemanha, o objetivo era confrontar a hegemonia inglesa. No caso japonês foi para forçar um lugar no concerto interestatal das grandes potências, que eram todas ocidentais e europeias, o que o levou à guerra com o império russo e pela primeira vez na história moderna uma potência ocidental foi derrotada por uma de fora do seu limite interestatal.

O Brasil perdeu pelo menos três chances de realizar essa industrialização com base na indústria pesada. Em todas elas, o estado tinha um projeto nacional que não foi à frente por falta de apoio dos empresários industriais.

A primeira com Vargas na época da negociação com os alemães e americanos pela construção de uma usina siderúrgica. A realização da indústria do aço só foi possível com o financiamento do Eximbank americano e a rescisão do contrato com a Krupp alemã. Esse financiamento americano marca a incapacidade do apoio político da elite industrial a um projeto de industrialização pesada e a carência de recursos fiscais. A situação iria se repetir no segundo governo Vargas com os planos de construção de uma indústria nacional autônoma e com a criação do BNDE, Eletrobrás, Petrobras e Fábrica Nacional de Motores (fundada em 1942 para fabricar motores de avião e depois transformada em fabricante de caminhões e automóveis). No governo Geisel, mais uma vez mostra-se a inapetência da nossa elite empresarial, quando esta rompe o acordo de cooperação militar com os Estados Unidos, assina o acordo nuclear com a Alemanha e enfrenta uma forte resistência política com base no que seria um projeto estatizante.

A crise da moratória do México, em 1982, inicia o declínio da participação da indústria no PIB. A partir daí nós perdemos o rumo da industrialização com a terceira revolução industrial da qual nos ressentimos até hoje.

A privatização, saudada pela maioria liberal como uma solução mágica não ajudou na recuperação da indústria. A política macroeconômica de altas taxas e valorização cambial levou à transferência para fora de boa parte da demanda por produtos industriais (tradables). A entrada da China no mercado internacional acelerou esse processo ao vender produtos industriais muito baratos e comprar commodities agrícolas em escala gigantesca.

Se não conseguimos acompanhar a terceira revolução industrial, não estamos nem na indústria 2.0, e mais distante ainda da 4.0, com um governo neoliberal que não tem nenhum projeto de política industrial, muito menos para política de inovação, que é o que todos os países avançados estão realizando.

Vendemos a Embraer e todos aplaudiram, inclusive os militares. Se a Boeing não entrasse em crise ela seria americana. Estamos fragmentando a Petrobras e todos acham que a maximização do valor do acionista é o mais importante. A Eletrobrás está na lista da privatização. A água vai ser privada. A Lava Jato destruiu a quase totalidade das empresas de engenharia nacional e foi um grande feito saudado por todos.

A Pintec-2017 mostrou que os gastos em inovação empresarial caíram. Os gastos empresariais em P&D no Brasil estão concentrados na Petrobras, na Embraer e nas automobilísticas – que reunidas contribuem com mais de 50% da P&D industrial -, sendo que no caso das automobilísticas, isso ocorre fundamentalmente através de incentivos fiscais.

Com fazer uma política de inovação industrial? Quem serão os seus atores? Seremos o primeiro país do mundo com um sistema “schumpeteriano internacionalista” como afirmam alguns?

Não existe nenhum país desenvolvido que tenha tido sucesso sem uma elite industrial, que apoiada pelo Estado realizou o processo de alterar a sua inserção internacional. Ao que parece, a nossa elite acha que “microchip e banana chip” são a mesma coisa.