Vacinas são necessárias e aumentaram significativamente a expectativa de vida das populações humanas. Elas são adotadas por governos tanto em regimes democráticos quanto autoritários de todo o mundo. Isso se dá pelo fato de elas já terem salvado, de maneira cientificamente demonstrada, centenas de milhões de vidas de crianças e de adultos. Ao lado da recusa em aceitar as mudanças climáticas e os efeitos nocivos do cigarro à saúde, a negativa da sua importância, como o faz o irresponsável movimento antivacina, figura como um clássico exemplo de negacionismo científico.

Isso não implica em dizer que toda vacina seja boa. Por isso, os testes demoram até 20 anos antes que cada uma delas seja colocada no mercado. Existem diferentes tipos de vacinas e é natural e necessário que a população entenda, claramente, os prós e contras de cada um deles para cada grupo de indivíduos, conforme faixa etária e condições preexistentes, como no caso de pessoas imunodeprimidas. Isso se torna particularmente importante em caso de pandemia, quando as vacinas estão sendo produzidas às pressas e, frequentemente, pulando etapas que aumentariam a segurança de sua aplicação. Disso depende, também, a legitimidade de qualquer discussão e decisão sobre a obrigatoriedade ou não de tomar a vacina disponibilizada.

Nos últimos dias, houve muita especulação sobre as vacinas da Covid-19, que deixaram a população bastante apreensiva. Política, ideologia, mercado e medo têm interferido no entendimento da situação, cuja complexidade e delicadeza já seriam, por si sós, fortes objetos de debate. O vídeo aqui recomendado, feito pela professora Clarisa Palatnik de Sousa, minha colega da Universidade Federal do Rio de Janeiro, expõe de maneira clara e bastante técnica as importantes diferenças entre as vacinas em fase final de desenvolvimento.

Em suma, no que diz respeito às duas principais técnicas usadas no desenvolvimento das vacinas, representadas no atual debate público pelas vacinas do consórcio Sinovac-Butantan (China/Brasil, vírus inativado) e do AstraZeneca-Universidade de Oxford-Fiocruz (Inglaterra/Brasil, adenovírus de chimpanzé), as diferenças são enormes. Essas se relacionam à antiguidade das técnicas e saberes associados ao uso do vírus original inativado, abordagem conhecida desde 1860, quando comparada à metodologia por trás do uso de outro vírus geneticamente modificado para enganar nosso sistema imunológico, existente desde 2012; e ao fato, em si, da primeira usar o vírus original, o que, além de despertar uma reação muito mais precisa do organismo, não é potencialmente tão agressivo quanto a inoculação de um vírus (adenovírus não replicante) que carrega um histórico ainda pouco compreendido de efeitos colaterais. A precisão do sinal enviado pelas diferentes partes do vírus original completo faz com que a vacina seja, potencialmente, mais eficiente também contra linhagens mutantes do coronavírus.

Além disso, a técnica chinesa com vírus inativado protege o organismo e o impede de transmitir a doença, dentre outros, por eliminar o vírus das vias respiratórias. No caso da vacina de Oxford, segundo os dados publicados pelos próprios responsáveis por seu desenvolvimento, ela não eliminou o vírus das vias respiratórias das cobaias (macacos) nem do pulmão de parte delas. Isso implica, segundo a Dra. Palatnik, em que ela nem impedirá a infecção nem o contágio pelas pessoas vacinadas, restringindo sua ação a amortecer a severidade da doença. Sendo assim, os dados existentes mostram, claramente, que a vacina chinesa tem maior probabilidade de conter a pandemia e menor chance de provocar efeitos nocivos sobre seus usuários.

Por fim, cabe ressaltar que uma das principais características desses tempos de pós-verdade e de narrativas ensimesmadas é a desconexão com o mundo real. A politização das narrativas ligadas à pandemia foi longe demais e já é, seguramente, responsável por centenas de milhares de mortes de pessoas que acreditaram que essa doença era uma gripezinha, que o vírus não contaminava jovens, na ineficiência do uso de máscaras, no uso de remédios milagrosos como a cloroquina e a ivermectina, etc. Todo o esforço deve ser feito agora para que tais narrativas fantasiosas não atinjam a decisão sobre qual vacina devemos aplicar em nossa população.

O vídeo aqui recomendado é fundamental por atuar nesse sentido, além de levantar discussões pouco estimuladas pela mídia tradicional e lideranças na área, como a da necessidade de traçar uma estratégia global comum no enfrentamento da pandemia. Ele é feito por uma pesquisadora que produz ativamente conhecimento de ponta sobre o assunto, sempre se remetendo a artigos publicados por diferentes grupos de trabalho e se aprofundando no tema em um nível acessível para todos.

Ciência e sua popularização são a nossa única arma contra narrativas levianamente construídas.

PS: Este texto introdutório para a videoaula da Dra. Palatnik foi escrito antes da Anvisa interromper os testes da CoronaVac e antes do aviso pelo consórcio Pfizer e BioNTech sobre o sucesso de sua vacina. Sobre a Anvisa, esperamos, sinceramente, que ela não esteja, pela primeira vez em sua história, embarcando em alguma narrativa política “ensimesmada”, como referido acima. Sobre a vacina da Pfizer, os dados ainda são muito preliminares e obscuros. Como já comentado na excelente revista Nature de 9 de novembro, aguardamos dados sobre a que se referem, exatamente, esses 90% e também sobre como essa vacina se comporta quanto ao amortecimento de sintomas; à produção de anticorpos; se há interrupção de transmissão pelo controle do vírus nas vias respiratórias, etc.

Veja a aula da Dra. Clarisa Palatnik em: https://youtu.be/ABhHGkKlu-4