Após retomar o receituário neoliberal, o país ingressou no ano de 2020 tendo um brasileiro a cada quatro procurando por trabalho. Com a intervenção do governo Bolsonaro durante a pandemia da Covid-19, o país passou a ameaçar o encerramento deste ano com dois a cada quatro na condição de desemprego aberto (procura ativa e sem trabalho) e oculto (por fazer bico ou desalento na procura por trabalho).

Além disso, o IBGE tem revelado que o exercício do trabalho no capitalismo brasileiro atual não mais se mostra suficiente para libertá-lo da condição de pobreza. Antes da pandemia da Covid-19, a metade da população tentava sobreviver com rendimento que equivalia até metade do salário mínimo mensal.

Nestas circunstâncias, o modelo de capitalismo em curso no Brasil deixou de oferecer horizontes decentes para a classe trabalhadora. Urge, portanto, transitar para a perspectiva pós-capitalista de organização do trabalho que fundamente a produção sustentável e a justa distribuição.

Para tanto, há a necessidade do redimensionamento do trabalho humano para além de sua estrita validação pelo mercado que o faz heterônomo por voltar-se à sobrevivência. Assim, todas as demais formas de trabalho que não passem pela mediação do mercado, como nas atividades de cuidados em domicílio e em comunidade, por serem socialmente úteis, necessitariam ser reconsideradas.

A começar pela alteração metodológica na contabilidade social, cujo Produto Interno Bruto (PIB) termina por subestimar a renda nacional ao focar apenas nas atividades econômicas assentadas no trabalho validado pelo mercado. Todos os invisíveis que se encontram no exercício do trabalho fora do mercado precisariam se tornar visibilizados numa sociedade pós-capitalista.

A experimentação disso poderia se fazer representar nas administrações progressistas a serem eleitas neste ano. Nada mais propício frente à grande encruzilhada a qual o país encontra-se situado entre o avanço da barbárie neoliberal ou a civilidade pós-capitalista.

Sistema de bônus sociais que valide o trabalho socialmente útil

Com a introdução do departamento municipal para a economia social, o desenvolvimento experimental do sistema de bônus social poderia se tornar realidade. De forma espontânea, cada cidadão que aderisse ao sistema passaria a ser avaliado e valorizado conforme a sua capacidade de exercer o trabalho socialmente útil na família, comunidade e cidadania.

Na forma de recompensa, cada tempo de trabalho socialmente útil efetuado resultaria na contabilização de pontos a se transformar em bônus social. Pelo pós-capitalismo, cada um precisaria ser atendido segundo as suas necessidades individuais e coletivas.

Clube de trocas e moeda social movendo a economia local

A partir da pontuação acumulada pelo sistema de bônus sociais, cada um poderia intercambiá-los por bens ou serviços diretamente nos clubes de troca organizados por rede integradora de associados provenientes da produção, comércio e serviços. Também a disponibilização da conversão do bônus em moeda social emitida e centralizada em banco comunitário, com o poder de oferecer crédito sob o controle do conjunto de seus usuários.

Embora não represente a substituição do Real, a difusão cada vez maior da moeda social no interior das comunidades representaria a força da circulação do dinheiro na base da pirâmide social estabelecida majoritariamente nas comunidades do país. Por ser lastreada no Real, a moeda social estimularia e valorizaria a economia local, validando a riqueza concebida pelo exercício do trabalho socialmente útil, bem como pela possibilidade do seu reinvestimento na própria comunidade.

Construção da confiança pelo trabalho humano

Em pleno desastre brasileiro imposto pelo receituário neoliberal, as prefeituras defrontam-se com orçamentos cada vez mais contidos pela ausência do crescimento econômico desde 2015. Com o reconhecimento do trabalho socialmente útil, não apenas aquele validado pelo mercado, o município poderia contar com a emissão de moeda lastreada no próprio orçamento da prefeitura, fazendo com que o poder aquisitivo circule nas comunidades, movendo a economia local.

Após tantos anos sem crescimento econômico, o Brasil deve acumular em 2020 uma queda extremamente elevada no conjunto das atividades produtivas, podendo fazer com que o país volte ao nível de produção de 2014 somente em 2025. Para conter a marcha da decadência capitalista no Brasil, a experimentação de outra economia possibilitaria um meio para uma nova sociedade fraterna e solidária, conforme os modelos de moeda social e bancos comunitários em mais de 110 cidades como em Fundinho (Rio de Janeiro, RJ); Gavião (Umarizal, RN); Gostoso (São Miguel do Gostoso, RN); Justo (Justa Troca, RS); Moqueio (Belém, PA); Mumbuca (Maricá, RJ); Palma (Fortaleza, CE); Prevê (Niterói, RJ); Sampaio (São Paulo, SP); Vereda (Chapada Gaúcha, MG), entre outros.

Nesse sentido, o Brasil não se constitui no único país a adotar moedas sociais, conforme experiência exitosa do Banco Palmas que desde 1998 se transformou no primeiro banco comunitário a emitir moeda complementar ao real no Conjunto Palmeiras, na periferia de Fortaleza. Países como Alemanha, Austrália, Estados Unidos, França, Inglaterra e Nova Zelândia, por exemplo, também registram experiências de comunidades locais que adotam a prática de moedas social.