As transformações econômicas e sociais da década de 1980 foram tão intensas que ainda marcam a realidade atual. O desmantelamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o fortalecimento do neoliberalismo determinaram os rumos distributivos e tributários dos períodos seguintes.
No que tange às transformações tributárias, os chefes de governo do Chile, Augusto Pinochet, dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e do Reino Unido, Margaret Thatcher, capitanearam a empreitada de reduzir impostos aos mais ricos pensando em aumentar o investimento, gerar o crescimento econômico e, hipoteticamente, dessa maneira, favorecer também os mais pobres.
Havia nessa concepção uma teorização constituída que desencadeou redução dos impostos sobre a renda e sobre o capital no mundo e no Brasil. A tributação deveria ser tão neutra quanto possível, para não afetar a eficiência alocativa. A redução ou a eliminação da tributação sobre os rendimentos do capital foram sugeridos por Atkinson e Stiglitz (1976) e Judd (1985). Passados mais de 40 anos de tais formulações, já é possível observar se os resultados atingidos em diversos países validam ou não a hipótese de que reduzir impostos sobre os mais ricos favorece a todos.
O desenvolvimento das ferramentas computacionais permitiu uma acurada sistematização e análise dos resultados destas políticas e observou-se que não houve a esperada elevação das taxas de investimento e de crescimento econômico. E, por outro lado, houve expressiva ampliação das desigualdades.
Um dos expoentes da chamada teoria da tributação ótima, James Mirrlees, da década de 1970, exatos 40 anos depois, constatou que a concentração de renda e da riqueza cresceram de maneira sem precedentes neste período, exigindo alterações nas formulações anteriores. (MIRRLEES, 2011).
As ideias popularizadas no final dos anos 80 e no início dos anos 90, não foram validadas pela observação empírica. Diante deste fracasso os autores que propuseram as reduções tributárias reformularam suas antigas ideias, e também a visão dos organismos multilaterais, conhecidos por serem a ponta de lança do liberalismo – por exemplo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os estudos mais recentes dessa organização ressaltam que taxas de imposto mais elevadas contribuem negativamente para economia.
O Fundo argumenta que diferentes tipos de impostos sobre patrimônio, imóveis e riquezas podem ser considerados porque os níveis de progressividade existentes não são excessivos, em alternativa a uma tributação sobre o capital (IMF, 2017, p. 4-5).
Já sob o contexto da pandemia, o FMI sustenta que países com dificuldades fiscais devem manter os investimentos públicos, proteger as famílias de baixa renda, efetuar políticas de redução de pobreza e de redução de desigualdade, assim como aumentar os impostos sobre empresas altamente lucrativas. (IMF, 2020, p. 4).
Dessa maneira, a sistematização de dados de renda e de patrimônio mostram uma acentuada concentração após a década de 1980, o que fez a academia reavaliar as teorias tributárias. Ao longo do processo de solidificação teórica tributária e da influência do neoliberalismo, a tributação foi assumida como instrumento para incentivar investimentos e acumulação de capital. Contudo, tais modelos e teoremas não são mais aceitos entre os próprios autores que as formularam.
Essa revisão atingiu a legislação tributária de alguns países, que avançaram em termos de progressividade no período recente. No Brasil, entretanto, embora o debate acadêmico e científico esteja finalmente se atualizando, do ponto de vista político, as concepções defendidas estão 40 anos atrasadas.
Os estudos mais recentes não dão guarida ao mito de que no Brasil paga-se muito imposto. A observação dos dados concretamente deixa explícito que as camadas superiores de renda brasileiras estão entre as que menos pagam impostos no mundo. O espaço tributário para reduzir as desigualdades no Brasil é vasto.
Há bastante tempo, uma reforma tributária está em discussão, mas os avanços são tímidos. Agentes empresariais pautam a necessária simplificação, mas deixam de lado os aspectos distributivos. As proposições do Ministério da Economia no Brasil visam a gradativa redução da carga tributária brasileira, a simplificação e unificação de tributos federais e a incorporação de um sistema de imposto de renda negativo. Ademais, em relação ao imposto de renda, amadurece a proposição de taxação de dividendos e juros sobre capital próprio e redução da tributação de Imposto de Renda Pessoa Jurídica. Este último ponto é um avanço no sentido que tanto a literatura convencional, quanto a progressista, apontam. Mas de maneira geral, as demais sugestões que vêm do executivo e do legislativo são anacrônicas, baseando-se em ideias já abandonadas no mundo todo. Em outra oportunidade voltaremos ao debate sobre a realidade brasileira.
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Sobre esse tema, leia também o artigo “Subtributação dos super-ricos no Brasil”, por Paulo Nogueira Batista Jr.
REFERÊNCIAS
ATKINSON, A.; STIGLITZ, J. The Design of Tax Structure, 1976.
IMF Fiscal Monitor, 2020.
IMF, Fiscal Monitor, 2017.
JUDD, K.. Redistributive taxation in a simple perfect foresight model, 1985.
MIRLEES, J. et al. Tax by Design, 2011.