O desempenho econômico brasileiro dos últimos anos tem despertado o debate na sociedade em geral e na academia em particular sobre os principais impedimentos à retomada do crescimento e à busca por uma trajetória de crescimento constante e equilibrado. Por um lado, alguns economistas defendem a necessidade de reformas econômicas que reduzam a participação do Estado na economia e aumentem o protagonismo do capital privado e do empresário-empreendedor para levarem a economia a outro patamar de desenvolvimento. Neste contexto, as ações do Estado devem se limitar às suas funções clássicas e à criação de um estado de confiança em um ambiente favorável à atuação dos agentes privados, com redução da taxa de juros, controle da inflação e reformas administrativas e tributárias que desonerem o capital privado etc. Políticas como essas foram adotadas no país desde a década de 1990 e já se mostraram ineficientes: algumas das menores taxas médias de crescimento da nossa história republicana ocorreram nesse período. 

Por outro lado, alguns economistas defendem a necessidade da retomada das rédeas do desenvolvimento econômico pelas mãos do Estado Nacional. Neste caso, o protagonismo das ações estatais na orientação e condução do país à superação do atraso econômico evidenciam políticas econômicas de expansão dos gastos e que buscam o controle da inflação, da taxa de juros que mire no capital produtivo e não no capital financeiro e uma política cambial que ao mesmo tempo favoreça à pauta exportadora e não onere o coeficiente de importações necessário à indústria e ao crescimento econômico. 

Ao nos debruçarmos sobre o nosso passado, observamos que o momento em que mais tivemos sucesso de crescimento e desenvolvimento foi quando o Estado assumiu o comando da economia do país, planejando e sendo o principal demandante com políticas expansionistas dos gastos. 

À primeira vista, esse debate parece se pautar nas discussões essenciais sobre o papel do Estado na economia: se viabilizador do crescimento econômico protagonizado pelos agentes privados ou se protagonista das ações de políticas que levem ao crescimento e ao mesmo tempo estimulador do capital privado. 

Afora o antagonismo que geralmente se coloca quando discutimos a encruzilhada da superação do atraso rumo a um novo patamar de desenvolvimento econômico, podemos aprofundar nossa análise aqui em três pontos elementares e pragmáticos à retomada do crescimento econômico no Brasil. O primeiro diz respeito à própria visão que se tem da participação do Estado na economia e como, ao longo das últimas décadas, fomos impondo ao Estado regras fiscais legais e operacionais que na força da lei o impedem jurídica e politicamente de agir para planejar e conduzir o crescimento econômico. O segundo elemento diz respeito à própria legislação que rege a forma como o Estado pode executar seus gastos. O terceiro trata da importância do Estado como planejador do crescimento, aglutinador de profissionais, técnicos e pesquisadores de alta qualidade, além de estimulador da Pesquisa & Desenvolvimento dentro e fora do serviço público, haja vista que o gasto público significa demanda para o setor privado que pode estimular os investimentos do setor. Esses pontos são independentes, mas, conectados e, talvez, relacionados à forma como interpretamos a participação do Estado na economia. 

Para ambientarmos esse debate, devemos observar o desempenho econômico brasileiro nas últimas décadas. Por um lado, o crescimento econômico entre as décadas de 1950 e 1970 foi em média de 7%, enquanto das décadas de 1980 em diante, a média de crescimento econômico foi de cerca de 2,5%, com destaque para a última década que registrou crescimento nulo. O ponto de inflexão na trajetória de crescimento coincide com o fim dos efeitos do II PND e a própria crise de Balanço de Pagamentos e seus desdobramentos ao longo dos anos 80. Ademais, esse período foi marcado pela interpretação de que a “crise da dívida” teria sido provocada pelas ações perdulárias do Estado. Somado a isso, a década de 90 foi vivenciada sob a égide de ideias marginalistas de que o Estado deveria diminuir sua participação para permitir que as ações dos agentes privados levassem a economia ao equilíbrio de Pleno Emprego. 

Não obstante a esse pensamento sobre a forma de fazer política econômica, houve, a partir da década de 1990 e, principalmente, a partir da década de 2000, a criação de leis, decretos e instruções normativas que pudessem (com o aval dos próprios artigos da Constituição Federal de 1988 que regem o orçamento fiscal) restringir as ações do Estado na economia. Neste sentido, as restrições autoimpostas ao uso do orçamento do governo na execução de políticas econômicas ultrapassam os limites econômicos e ganham o campo legal e jurídico. 

Assim, o que antes estava alicerçado no campo das ciências sociais aplicadas e na forma de interpretar a participação do Estado na economia ganha o rótulo de status quo da política econômica. Para além de regras e decretos criados no período recente sobre a ação orçamentária do governo, o ápice dessa delimitação da participação do Estado ocorre com a aprovação da Lei do Teto dos Gastos no final de 2016. Interessante perceber que, uma vez criadas regras fiscais, qualquer discussão sobre o tema jamais caminha na direção de superá-la, mas, geralmente, de encontrar um “substituto perfeito” para uma regra que tenha sido pouco efetiva (como é o caso da proposta de uma criação de um novo arcabouço fiscal que substitua a Lei do Teto dos Gastos). 

Desta forma, as regras fiscais autoimpostas e o próprio resultado fiscal (que, na prática, é apenas a demonstração de um equilíbrio ex post de identidade contábil e não necessariamente a definição sobre qual lado da equação é precursor) se tornam o meio e o fim da política econômica do governo e não um instrumento para se atingir um objetivo maior. Neste ponto, cabe uma reflexão: é possível imaginar um país que tenha se desenvolvido sem o protagonismo do Estado Nacional no planejamento e na condução do crescimento econômico? Que economia supera o atraso econômico, amplia a acumulação de capital, promove a indústria de transformação, Pesquisa & Desenvolvimento e construção civil com um Estado de moeda soberana que faz política econômica (pre) ocupado exclusivamente com o resultado contábil ex ante do seu orçamento? 

Para além do transbordamento das contenções da ação estatal no campo legal e jurídico, outro obstáculo se impõe: o excesso de burocracia e de entraves aos servidores e gestores públicos para executar o orçamento. Um dos exemplos mais emblemáticos deste dilema encontra-se na Lei de Licitações e na “produção em série” de Instruções Normativas e decretos que impedem a celeridade e a eficiência do Setor Público. Há um excesso de regramentos orientados para evitar corrupção, aumentar a “eficiência do gasto público”, mas, que não dão conta de permitir a execução correta e segura do orçamento. Neste contexto, o próprio ambiente de tomada de decisão do gestor público se difere do ambiente de tomada de decisão do gestor privado. 

Enfim, perseguir o desenvolvimento econômico requer repensar a importância do Estado como protagonista e planejador de programas de desenvolvimento a partir de gastos em consumo e investimento que levem em conta as metas de crescimento e de distribuição de renda. Para isso, faz-se necessário reestabelecer a estrutura do serviço público; atrair, fortalecer e manter um bom corpo técnico no setor público; criar e executar programas que ampliem a demanda agregada; e, não menos importante, rever o entrave legal e administrativo do Setor Público que foi criado com as décadas de pensamento dominante marginalista na economia brasileira. (Publicado no Jornal dos Economistas Agosto de 2023)  

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  
Leia também “Parcerias público-privadas (PPPs) e arcabouço fiscal“, de Paulo Kliass.